sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Carta para a Verónica



Carta para a Verónica:
18 Setembro de 2015

“My Baby” (como gostas de ser chamada), hoje fazes 7 aninhos, como é que é possível que já tenha passado tanto tempo? Passou a voar não achas??? Pois bem hoje resolvi presentear-te com esta carta pois quero que as minhas palavras fiquem registadas para que um dia possas ler e quem sabe até responder às minhas questões. Estes 7 anos que passaram foram muito agridoce, tornas-te a nossa vida cá em casa tão mais colorida e alegre mas também redefiniste tudo o que realmente era de facto significativo num contexto familiar da qual inevitavelmente tu passarias a fazer parte. Se tivesse de descrever numa única palavra como foram estes 7 anos contigo, teria de ser “montanha-russa”, não me ocorre uma palavra mais indicada e perfeita. A tua sorte e a minha é que eu adoro montanhas-russas (aliás sou a única cá em casa) e sempre gostei de verdadeiros desafios, sendo que tu és e muito provavelmente serás sempre o maior desafio de todos. E o que faz isso de ti?
Ao fim de umas horas de teres nascido e após muita insistência da minha parte trouxeram-te finalmente para o pé de mim, tinhas os olhos mais atentos que eu já tinha visto, tenho a certeza absoluta que estavas a registar todo o som proveniente do novo mundo a que agora pertencias. Lembro-me de pensar que não tinhas aquele choro tão típico dos recém-nascidos o que naquela altura foi uma bênção pois encontrava-me completamente exausta de todo o procedimento que envolve fazer uma cesariana e, apesar de ser a segunda intervenção do género foi a mais complicada em todos os sentidos.  Olhar para ti era mágico e estranho, sabia que algo se estava a passar contigo logo assim que nasceste pois tanto a equipa médica como a de enfermagem se comportavam de uma forma suspeita e, eu sabia mais ou menos como se processava tudo em situação normal. Passavas muito tempo na Neonatologia nos primeiros dias, hoje claro sei o porquê de todo esse mistério. Não, não era possível diagnosticar-te autismo tão cedo, embora o teu comportamento fosse diferente dos outros bebés, a verdade é que trazias contigo algumas alterações genéticas que acabaram por conduzir-te à consulta de Genética e onde despoletou todas as outras consultas de diferentes especialidades, até ao veredicto final. Por ti tive que desistir de muita coisa nestes anos todo que passaram mas sabes não fui a única cá em casa a fazê-lo, todos de algum modo tiveram de desistir de algo para que tu conseguisses alcançar e ser o que és hoje. Muitos foram os que nos “abandonaram” pelo caminho pois é duro para alguns ao que parece conviver de perto com crianças especiais, é um preço que sabíamos que teríamos de pagar mas sabes que mais só faz falta quem cá está e tu sabes que a tua família pode estar agora mais reduzida mas somos “bons!” Diga-se de passagem que só podia ser assim, afinal sem ti seriamos apenas mais uma família como as outras e não nos sentiríamos também especiais. Sim, nós sentimo-nos especiais por te ter minha querida, nunca em tempo algum duvides disso.
Coube a mim a maior fatia da “desistência”, se é que se pode chamar assim. Desisti completamente nos primeiros anos da minha vida profissional, eram tantas as consultas por semana que não haveria nenhum patrão tão compreensível, surgindo depois inúmeras sessões de terapia. Houve alturas que pensei que ia dar em doida, foi então que comecei a ouvir que o teu autismo  tinha como origem a genética, que eu teria tido ainda que muito ligeiro autismo. Imaginas como eu fiquei? Primeiro culpei-me muito mas muito (sou boa a fazer isso) mas depois comecei a pensar (também sou boa nisso), se os médicos estavam de acordo que eu teria tido o mesmo que tu, que apenas agora passaria despercebido então talvez nem tudo estivesse perdido. E foi assim que resolvi retomar o “sonho académico”, meti na cabeça que teria de provar a ti que se eu conseguisse tu irias também conseguir um dia fazê-lo, claro que nem sei o que realmente vais desejar para ti daqui a muitos anos mas essa foi a maneira que eu arranjei para “sobreviver” a tudo isto. Se me perguntares um dia se valeu a pena, a única resposta será que sim, sem dúvida. Claro, que todos nós cá em casa deixámos de fazer coisas que outras famílias naturalmente fazem para que possas vir a ficar autónoma um dia, não direi feliz porque isso eu sei que tu és, aliás sempre foste, sempre fizemos questão que assim fosse!
No entanto, tu deste muito mais a todos nós do que propriamente tiraste, ensinaste-me a ser mais feliz, faz isto sentido para ti? Se calhar não, talvez nem para mim pois eu achava que era feliz antes de termos que lidar com o teu autismo mas, estava redondamente enganada, descobri uma coragem que não sonhava sequer que existisse, uma força interior sem limites mas sobretudo descobri um outro tipo de amor…..algo muito mais genuíno, algo que talvez outros pais como eu sabem o que é. Quero com isto dizer-te que estes 7 anos foram os anos mais difíceis da minha vida mas foram também os anos que mais me preencheram como ser humano. Não, não existe arrependimentos nem sequer lugar para qualquer tipo de amargura, somos uma família unida e é assim que funcionamos.
“My Baby” já passamos por tanto não foi?? E sabes que mais?? Muitos mais anos (se tudo correr bem) iremos ter pela frente para que tu e eu possamos desafiar os obstáculos que forem aparecendo no teu longo caminho pelo mundo do autismo. O que mais adoro em ti é esse teu sorriso tão único, embora actualmente esteja bastante desdentado por sinal! Enquanto esse teu sorriso durar tenho a certeza que tudo vai correr pelo melhor e que um dia, daqui a muito tempo espero, leias estas palavras e sintas que valeu a pena ter uma mãe como eu, porque para mim tu e a tua irmã fizeram da minha vida algo com sentido.
Que tenhas imensos 7 anos pela frente e que continues a querer ser a minha “My Baby”, pois para mim sempre o serás. Um grande beijinho de todos cá de casa e que consigas alcançar tudo aquilo que precises para seres feliz ao longo da tua vida.

                                                                                                              Mãe
                                                                                              “a minha mãe” (como dizes)



2 comentários:

  1. As lágrimas vieram-me aos olhos ao ler isto! Infelizmente sei bem por tudo o que tu passas.
    És tão "fora do normal" Joana! e é por isso que gosto realmente de ti!
    A Verónica tem e sempre terá um orgulho enorme por te poder chamar "a minha mãe"!

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    1. Obrigado linda mas acho que tenho muita sorte nas filhas que tenho, enchem-me de orgulho todos os dias, também tenho a sorte de ter pessoas como tu a apoiar-me e isso faz toda a diferença!

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