terça-feira, 1 de setembro de 2015

Uma colónia de férias muito especial - 2ª parte


       

         Regra geral uma colónia de férias serve para manter as crianças ocupadas durante um longo período de férias escolares e espera-se apenas que aproveita o melhor possível desses tempos de lazer que as colónias têm para oferecer, consequentemente os pais têm algum tempo de descanso nessa altura ou podem ir trabalhar mais descansados. Neste tipo de colónia, as expectativas vão mais além, todos querem ver resultados mas para isso existe muito trabalho a fazer nas duas semanas de colónia e é esse trabalho que vou descrever aqui hoje para se ter uma noção do que são e para que servem este tipo de colónias.
        Durante duas semanas existiu um horário muito preenchido e rigorosamente cumprido quer pelas crianças quer pelos monitores da colónia. As manhãs eram bastante intensas pois a natação adaptada envolve mais coisas que não apenas exercícios de natação, aqui a comunicação e a parte sensorial e cognitiva também é trabalhada, esta actividade acontecia todas as manhãs às 9h durante as 2 semanas. A psicomotricidade realizada num ginásio devidamente equipado eram para a Verónica o ponto alto do dia, o que para nós cá em casa foi um alívio pois a miúda que adorava este tipo de terapia estava de volta e sabíamos que estávamos de novo no caminho certo (se é que isso existe mesmo). Ao contrário do que pensávamos não foi a música que despertou mais interesse na Verónica mas sim as bicicletas (há muito que tinha despachado a bicicleta que era da irmã para uma menina carenciada porque assim como assim estava abandonada na arrecadação e ninguém queria saber da bicicleta), o entusiasmo foi tanto que teremos agora de comprar uma pois além de ser algo que ela agora pura e simplesmente adora é também bastante importante para trabalhar a parte locomotora.        





         Dos workshops sabemos que adorou o das pinturas com as mãos e como é mais que óbvio pintou não só o desenho mas também ela própria da cabeça aos pés bem como a monitora desse dia, a avaliar pelo relatório diário da colónia. A expressão plástica foi onde ocorreu mais resistência da parte dela pois nem sempre se mostra disponível para fazer no papel exactamente o que lhe pedem (tem sido esse o maior problema quer em terapias quer na escola), logo esta foi a actividade da colónia que se mostrou ser uma maior desafio para os monitores no que toca à Verónica, nem a adoração por certos monitores valeu de muito mas também não podia ser tudo rosas, não é verdade? 
         A alimentação da Verónica tem sido um verdadeiro desafio cá em casa, não é fácil lidar com texturas, cores, aromas, formato sem dar em doido por vezes. No entanto, resolvemos aproveitar a maré da colónia e introduzir diferentes hábitos alimentares, com a ideia de que ao gastar imensa energia talvez prove e na melhor das hipóteses coma tudo. Assim, introduzimos nos lanches um novo iogurte magro (aroma de morango) e sandes de pão integral com fiambre ou chourição (se fosse tudo dieta simplesmente não lhe tocava). Quando recebíamos a lancheira de volta ao fim do dia vinha quase sempre vazia e a grande surpresa foi no refeitório da colónia, voltou de novo a comer sopa (fora de casa), comeu salmão de boa vontade e a maior surpresa foi que conseguiram que ela comesse bacalhau (ela odeia esse alimento por casa da textura).
          Os dias de passeio foram também bastante animados e se tivesse que escolher qual o que a minha piolha mais gostou de certo que seria a quinta pedagógica e a minha intuição mais uma vez não falhou, os animais fazem magia com a Verónica, ao ponto de ela partilhar a sua comida com eles, por essa razão a quinta pedagógica foi bastante interactiva pois permitiu alimentar os animais da quinta. O passeio ao museu correu bem mas não despertou tanto entusiasmo por causa dos animais.
           Enquanto mãe um dos pontos altos desta colónia especial foi a festa final pois conseguiram por 13 miúdos super especiais a fazerem uma peça de teatro, é algo tão extraordinário pois nas festas escolares sabemos à partida que os nossos miúdos especiais não vão fazer parte da peça de teatro, não porque a turma ou o professor (a) não os inclua (no caso da Verónica sempre houve muita inclusão) mas simplesmente porque não conseguem que eles cumpram o seu papel na peça de teatro, nem que eles queiram participar porque ficam agitados (fora da rotina). Desta vez foi diferente eu e todos os outros pais conseguimos assistir a uma peça de teatro diferente em que os nossos filhos pela primeira vez ou não foram as estrelas da peça, só um aparte nesta peça de teatro a Verónica era a colher! Claro que tiveram bastante auxílio dos monitores mas o que aqui realmente importa é que eles finalmente tiveram a oportunidade de serem eles os protagonistas. 





           A todos os pais que se mostram tão indecisos em optar por este tipo de colónias para meninos especiais o nosso feedback cá em casa foi bastante positivo, uma experiência única a repetir com toda a certeza. Os progressos a registar na Verónica ainda estão a ser descobertos pois de vez em quando descobrimos algo novo de forma espontânea mas o grande desenvolvimento deu-se na linguagem (conversa muito mais, não só em inglês mas também em português), embora com algumas restrições na área alimentar; já prova coisas novas e mesmo que não queira pelo menos deixa colocar no seu prato; muito raramente pede colo; não sabemos se foi da colónia mas descobrimos agora que de facto já tem a noção do ontem, amanhã e depois de amanhã e também o que são as férias de Verão; mostra e pede aquilo que necessita, não ficando os outros a adivinhar qual a sua necessidade; sente mais necessidade de estar com outras crianças e até troca beijos sem serem solicitados com outros miúdos; para terminar acho que a colónia a tornou uma criança ainda mais feliz.
       Ao longo da vida destes miúdos especiais, os pais têm pela frente um rol de decisões que superam em muito as decisões de outros pais, no entanto por vezes o “medo” e o receio de que os nossos filhos possam passar por situações dramáticas leva-nos a criar barreiras sem nos apercebermos para os nossos filhos. Embora tenha ultrapassado várias barreiras pela Verónica, tenho a perfeita noção que esse tal “medo” fez-me adiar algumas decisões que vieram a confirmar-se não terem fundamento. Aliás, quando reflicto sobre o assunto penso queremos tanto que os nossos filhos sejam incluídos num ambiente dito “normal” que nos esquecemos que eles também precisam do outro “lado da moeda” para se sentirem completos ou simplesmente serem eles próprios sem restrições. A melhor lição que eu como mãe levei desta experiência é que não existe um ambiente perfeito para a Verónica e que ela tem necessidade de estar no mundo “normal” e no mundo “especial” para ser feliz e ultrapassar os obstáculos que inevitavelmente o autismo lhe trouxe.

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