domingo, 19 de abril de 2015

Carta aberta aos médicos da minha filha



Carta aberta aos médicos da minha filha:
Caros doutores, sei que para vocês (ainda que independente do vosso nível de sensibilidade) dar um diagnóstico de Perturbação do Espectro do Autismo será algo que já faz parte do vosso quotidiano, há imensos anos, portanto será algo que poderá muito bem estar “mecanizado”. No entanto, sempre me perguntei se sabem como é estar do outro lado da vossa secretária, com o vosso filho ao colo a tentar digerir aquilo que não dá para digerir, que é receber o tão temido diagnóstico. Decidi por essa razão escrever nesta carta endereçada a vocês o que sentimos de verdade naquele preciso momento e, aquilo que eu enquanto mãe esperava receber da vossa parte, é que por muito que possam desconhecer muitos são os pais que se sentem como eu me sinto.
Numa consulta de Desenvolvimento encaminhada por uma consulta de Genética, estava eu completamente devastada porque, mal entrei na sala de espera tive a oportunidade de me confrontar com outras realidades vividas por outros pais, muitos deles já conformados. Assim, há medida que o tempo passava naquela sala de espera, o pânico crescia dentro de mim e ia percorrendo os rostos das outras crianças (com deficiências bem visíveis) e dizia para mim mesma, não isto não pode ser, a minha filha não tem nenhum “atraso cognitivo”, não ela não tem aquela expressão no rosto e, por dentro algo em mim ia quebrando sei dar conta disso. Finalmente fomos chamados para a tal consulta de Desenvolvimento, aquela que nenhum pai ou mãe espera ir durante os nove meses de gravidez, quando planeia ter filhos ou simplesmente quando não vê algo de “muito errado” no seu filho. Pois bem, entrei nesse consultório deprimente, bastante antigo, sem cor, antecipando por isso aquilo que viria a seguir. Então, começou o longo questionário “diferente” que pura e simplesmente não deixei terminar porque interrompi de forma brusca: “Dr.ª está a desconfiar de Autismo não está?”, ao que me respondeu de forma também brusca: “Sim, estou!”. É então nesse momento que levamos o tal murro no estômago que nos corta a respiração de uma forma violenta. Ainda hoje não sei ao certo como me surgiu essa palavra na minha boca, não tinha sequer equacionado essa hipótese com ninguém, nem mesmo nas consultas de Genética. Independentemente da forma brusca como me dirigi a si, que apesar de tudo não consigo lamentar porque se tratava do meu “bebé”, esta é de longe a forma mais correta de se dar um diagnóstico tão pesado como o de Autismo.
Ninguém mas ninguém, está preparado para receber este tipo de diagnóstico, isso é mais que certo mas deve existir uma forma melhor para o fazer, ou seja, com uma maior sensibilidade. O facto de por vezes demorarem tanto a fazer os diagnósticos (semanas, meses ou anos) é algo incompreensível para nós pais, pois durante esse tempo ficamos ansiosos, entramos em pânico desnecessariamente, começamos a comparar com outras crianças com diagnósticos diferentes por vezes mas, sobretudo o facto de não sabermos é bem pior do que saber!
Posso lhes garantir que esse dia em que se colocou a palavra Autismo na minha vida foi até hoje o pior dia da minha vida, de tal forma que só consigo ter na memória alguns “flashes” desse dia. No entanto, sei descrever ao pormenor tudo o que senti naquele dia, o que parece ser um contra-senso. Quando uma das causas possíveis e aquela em que mais acredito poder ser de origem genética, imaginam vocês como eu me senti?
Após a conversa “brusca” chorei durante dois dias, sobretudo à noite quando todos dormiam pois eu era e sou o “pilar” da nossa família, tinha trabalhado no passado com meninos com Autismo e por isso sabia exactamente o que o futuro me reservava e estava muita assustada, pois algo dentro de mim quebrara e tinha de juntar as peças de novo para poder ajudar a minha filha. Sabem onde tive de procurar informação caros doutores por darem só aquela que vocês acham que nós pais devem saber? Pois claro como qualquer mãe em desespero recorri à Internet para através de outros pais conseguir o nome do melhor médico em Portugal na área do Autismo, a ironia é que consegui esse nome num fórum de carros. E de quem é a culpa??? Precisava de um segundo diagnóstico para comprovar o primeiro, mesmo sabendo que o mesmo estava correcto.
Assim foi, entrei no tal consultório e para meu espanto o tal médico famoso não olhou sequer para mim, focou-se na minha filha com quase 3 anos, descreveu o comportamento social dela quer em casa quer fora de casa como se tivesse estado presente nesses momentos e, em apenas quinze minutos não obtive um diagnóstico mas sim quatro diagnóstico e entre eles estava o autismo. Aqui a abordagem foi diferente, falou-se até do futuro (mais tarde passará despercebido o Autismo da criança), “é preciso trabalhar muito com ela e vamos conseguir ultrapassar isto mãe!”, imagino que isto seja o que qualquer pai ou mãe quer ouvir naquele momento crucial mas será correcta esta abordagem Dr.? Dar expectativas sobre algo que sabe tão bem como eu que é imprevisível? Nem mesmo a comunidade científica tem respostas para tudo o que envolve o Autismo, essas dúvidas vão desde as causas aos tipos de tratamento, então como pode dizer-me que com muito trabalho vai passar quase despercebido? Não será demasiado leviano fazer uma afirmação destas se nem mesmo você sabe o que o futuro reserva para a minha filha?  E quando as coisas, ao fim de algum tempo não resultam e me vem com outro tipo de abordagem que envolve a tão famosa medicação, não deveria ser mais honesto comigo e dizer tudo o que envolve a toma desses medicamentos? E quais os resultados possíveis em termos concretos no problema da minha filha? A resposta mais honesta que me poderia dar é que sim há efeitos secundários e não sei se vai funcionar mas não tem de se sentir culpada se não der!
Para finalizar queria apenas relembrar que nós pais destes meninos vivemos numa verdadeira “montanha russa”, com muitos altos e baixos e que muitas famílias nem sequer sobrevivem ao desgaste que tudo isto implica e, por essa razão muitas vezes somos “emocionalmente instáveis” porque se trata dos “nossos bebés”. E muito embora, possamos não concordar com o vosso método na totalidade, a verdade é que temos confiança suficiente em vocês para deixarmos que de alguma forma nos orientem neste longo caminho.
Não sei o dia de amanhã, é muito provável que eu e outros pais procuremos mais respostas para o problema dos nossos filhos mas, gostaríamos que tivessem uma maior sensibilidade no momento do diagnóstico e que não escondessem a informação que precisamos de obter, pois lhes garanto
que nós pais vamos até ao fim do mundo pelos nossos filhos, pois esse é o nosso papel enquanto pais.
Até à próxima consulta!

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