domingo, 20 de setembro de 2015

Autismo e agora?



O que se faz quando se recebe um diagnóstico de Autismo? Ou como agora é designado de Perturbação do Espectro do Autismo (PEA)? Não existe um manual de instruções nem tão pouco existe uma maneira infalível para se lidar com a situação, restando por isso o aconselhamento especializado e claro a experiência de quem já passou pelo mesmo processo. Assim, resolvi “focar” alguns pontos que são importantes para quem vai iniciar-se neste novo mundo, partilhando um pouco a minha experiência como mãe.

1.       O dia em que finalmente chega o diagnóstico.
Não vai estar preparado (a) para receber esta notícia, ainda que suspeite do mesmo quando ouvir a palavra não vai querer acreditar, aceitar nem vai querer ouvir mais nada….não naquele momento. No entanto,  poderá dizer algo sem sentido ou fazer perguntas que mais tarde lhe vão parecer provavelmente estúpidas (não se incomode com isso, faz parte afinal está ainda em choque com a notícia). Vai sair do gabinete médico com mais dúvidas com que entrou e com a sensação de que não fez as perguntas certas….mas haverá mesmo perguntas certas? Respire, por muito que lhe queira dizer o contrário o pior ainda está por vir mas também as coisas vão melhorar, começará então a perceber aos poucos aquilo que não percebeu até a este dia.

2.       Por onde começar?
Nos dias de hoje, o mais natural é recorrer de imediato à informação na Internet mas lembre-se é preciso filtrar muita informação, se procurar um sintoma para uma constipação vai ver que depressa encontra várias doenças para o mesmo sintoma. Tente recorrer sempre a fontes fidedignas; faça muitas perguntas ao médico(a) do seu filho(a), todas aquelas que precisar, as dúvidas vão surgindo sempre mas é preciso eliminá-las para que possa seguir em frente e escolher qual o caminho a seguir; informe-se sobre os métodos terapêuticos existentes (são vários, embora possa existir um ou outro com melhor resultados, o importante é a criança responder a esse método); fale com pais que já passaram por essa experiência, não tenha receio de lhes perguntar pois só eles podem mesmo compreender o que está a passar, contudo tenha cuidado ao fazê-lo, vai perceber muito rapidamente que existem pais demasiado “desesperados” que acabam por tomar uma posição demasiado “radical” e o que você precisa neste momento é de paz para poder fazer as suas escolhas; por fim siga o seu instinto, melhor do que ninguém você sabe o que é melhor para o seu filho(a).


3.       Falar sobre o diagnóstico com os outros.
Inevitavelmente vai ter de estar a falar quase sempre sobre o tema nos primeiros tempos, seja em consultas médicas, com os terapeutas e claro com a escola (caso a sua criança já frequente uma). Prepare-se vai se sentir magoado(a) por estarem sempre a falar desse assunto consigo, naturalmente queria poder não falar disse um dia pelo menos que fosse mas acabará por perceber que isso não vai acontecer tão cedo. Lembre-se que quanto mais informação der por exemplo na escola (professores e educadores) mais depressa podem em conjunto arranjar soluções para melhor incluírem o seu filho(a). Aqui poderão começar os primeiros problemas sérios, embora seja fácil falar sobre o assunto com os terapeutas, na escola a conversa é outra, existem educadores e professores bastante receptivos e inclusivos mas depressa vai perceber que existe outros que vão dificultar as coisas. Não existe uma resposta infalível para resolver o problema infelizmente por isso, tente ter calma e dar a informação o mais detalhada possível (os terapeutas podem e devem deslocar-se à escola para ajudar nesse processo), não se esqueça que que esse educador ou professor pode ser um dos melhores aliados na evolução do seu filho. No entanto, se lhe dificultarem muito a vida de modo a querer desistir de colocar o seu filho naquela turma ou escola (não tem de acontecer mas pode acontecer), recorra a todos os meios que tem disponível para participar a situação e fale com associações que estejam ligadas aos direitos de crianças com necessidades especiais, eles serão muito úteis para acelerar e resolver o problema . Em relação à sua vida social, vai ter que informar aqueles que fazem de alguma forma parte da sua vida do que se está a passar, não tem de contar tudo como é óbvio mas vai sentir-se mais aliviado(a) se despachar logo essa informação nos primeiros tempos do que andarem a sussurrar nas suas costas, além disso você precisa de desabafar com alguém por isso procure alguém da sua confiança e conte-lhe a sua angústia, geralmente quem está de fora tem uma visão diferente e poderá lhe dar aquela força que tanto precisa. Além disso, se não falar as pessoas não adivinham o que lhe vai na alma. Certo?

4.       O que muda agora que o diagnóstico é uma realidade.
Bem muda quase tudo mas não muda quem você é e muito menos quem o seu filho(a) é por isso não vale a pena pensar que o mundo acabou, não só não acabou como vai começar um novo. Por muito que lhe custe agora acreditar porque é tudo muito recente, acredite as coisas vão melhorar e muito mas tem de ultrapassar alguns obstáculos que lhe vão parecer impossíveis mas acredite vai ter muitas surpresas agradáveis pelo caminho. O mais importante é que aceite sem reservas o seu filho(a) como ele(a) realmente é, aliás terá de o fazer pois se assim não for vai ser mais difícil que os outros aceitem também. Poderá de ter de mudar em muito a rotina familiar, os horários das terapias e consultas passam a ser uma prioridade pois quanto mais cedo o diagnóstico e a intervenção ocorrer mais resultados se obtém. Vai perceber que enquanto algumas pessoas lhe vão dar um apoio incondicional outras vão acabar por desaparecer da sua vida senão agora mais tarde mas não fique triste, vai descobrir algo novo e muito mais genuíno, vai descobrir que não está sozinha e que existem pessoas especiais que estão disposta a ajudar sem pedir nada em troca. Inevitavelmente vai deixar de ter tanto tempo para si, aqui é onde quase todos os pais cometem erros, é necessário arranjar tempo só para si senão vai acabar por enlouquecer. Lá porque o seu filho(a) tem autismo você não tem e precisa de estar bem emocionalmente para poder apoiar e estar lá quando for preciso, por isso respire fundo e encontre um tempo (nem que seja apenas de meia hora) em que possa desfrutá-lo. 

5.       Qual o melhor método de intervenção terapêutico para o meu filho(a)
Não existe um método 100% eficaz, regra geral todos os métodos terapêuticos têm algo bastante positivo para oferecer e por essa razão às vezes é bastante difícil escolher, contudo uma coisa que tem de ter em mente é que mesmo que opte por um método que achou ser o mais indicado para o seu filho(a), pode vir a verificar que não funcionou e não tem que sentir culpa, só saberá qual o método adequado quando começar a ver alguns resultados  (não os que quer ver mas os possíveis). Além disso, as crianças com este tipo de diagnóstico frequentemente precisam de ter novos estímulos ainda que tenham estado durante alguns anos num determinado método terapêutico, este pode deixar de fazer “efeito” e é preciso procurar novas soluções. Não caia no erro de experimentar “tudo” sobretudo na mesma altura, só vai piorar a situação e confundir ainda mais o seu filho(a).

6.       Como escolher o médico especialista.
Escolher um pediatra adequado para os nossos filhos por vezes já se apresenta como uma escolha difícil, fica ainda mais difícil quando temos que necessariamente escolher alguém que vai acompanhar o neurodesenvolvimento de um filho nosso. A escolha recai geralmente por Pediatras de Desenvolvimento ou Pedopsiquiatras ou em alguns casos, ambos. Se não sabe qual será melhor para o seu filho fale com o pediatra do seu filho, poderá indicar-lhe um ou então tente perceber junto de outros pais quais são as opções e informe-se sobre as diferentes especialidades médicas. Não tenha receio de marcar uma 1ª consulta para diferentes médicos se estiver em dúvida mas se vir que já foi a mais de 3 médicos, pare e fale com o pediatra do seu filho pois talvez precise você de ajuda e orientação para se decidir. É natural que ao fim de algum tempo tenha que mudar de medico ou de especialidade médica, alguns métodos terapêuticos requerem outros médicos e terapeutas, não desanime o importante é o bem estar do seu filho.

7.       Optar ou não pela medicação.
A medicação é um tema algo controverso quando se fala em PEA ou Transtorno de Défice de Atenção com Hiperactividade (TDAH), não há um consenso entre médicos e pais sobre o uso da medicação, muito em parte porque se questiona os efeitos a longo prazo que permanecem ainda obscuros. O melhor será falar abertamente com o médico do seu filho(a), explicar-lhe quais as suas dúvidas e medos, tentar perceber se terapeutas, professores e o pediatra do seu filho acham que o seu filho(a) apresenta sintomas associados quer a défice ou a hiperactividade. Pode eventualmente falar com outros pais mas poderá ser bastante prejudicial pois dependerá muito da experiência desses pais e não existe experiências iguais, em especial em diagnósticos como este. É uma decisão que cabe aos pais tomar, a medicação pode ou não auxiliar no quotidiano do seu filho mas não é algo que ele necessariamente precise para viver, não vai por a sua saúde física em risco mas pode fazer a diferença na vida do seu filho(a).


                                     
8.       Dietas alimentares: sim ou não?
Depressa vai descobrir que existe pais e nutricionistas que defendem dietas sem soja, sem glúten e sem caseína para autismo. Embora a nutrição seja sem dúvida algo de extrema importância para qualquer criança em desenvolvimento, não pode e não deve sobrepor-se ao médico que acompanha o seu filho(a), quando muito pode aliar-se e ajudar. Se fizer uma pesquisa mais intensa vai descobrir que fazer essas restrições pode apresentar melhorias ao nível do comportamento como pode simplesmente não apresentar qualquer melhoria, por isso informe-se bem e fale com os médicos do seu filho(a) antes de tomar a sua decisão. Muitas crianças com PEA fazem restrições alimentares devido à cor, textura, formato, aroma e sabor dos alimentos por essa razão adoptar uma dieta deste tipo pode ser bastante penoso para as crianças por existirem ainda mais restrições alimentares. Adoptar este tipo de dieta acarreta também algum esforço dos pais em encontrar produtos alimentares livres dessas substâncias (embora hoje em dia a oferta seja maior que há uns anos atrás), por isso reflicta e se necessário procure também um nutricionista para tirar dúvidas.

9.       Existe espaço para errar ou não?
Haverá sem sombra de dúvida espaço para errar, como já foi referido acima não existe um método perfeito, todos têm algo de bom a retirar. Se alteramos de vez em quando de dentistas por exemplo, também será compreensível que aconteça com outras especialidades médicas, ainda mais se trata do bem-estar dos nossos filhos. Se optar pela medicação, não tem de sentir culpa por isso se acha que essa é a melhor opção para o seu filho(a) e o mesmo acontece se optar por rejeitar a medicação. Em relação à dieta específica, desde que devidamente aconselhada e acompanhada não deverá  acarretar nenhum problema mas não esconda do pediatra do seu filho(a). Se não conseguir colocar o seu filho(a) nas terapias que precisa por questões financeiras, informe-se porque existe algumas formas de ajuda nesse sentido desde que comprovado a carência económica familiar. Nem todas as escolhas vão ser as mais acertadas, algumas até se vão verificar que foram inúteis mas estamos a falar de autismo, onde nenhuma mas nenhuma criança é igual a outra, logo não existe um “protocolo” seguro a seguir, em caso de dúvida siga o seu instinto e lembre-se que não está sozinho(a) nisto do Autismo!


sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Carta para a Verónica



Carta para a Verónica:
18 Setembro de 2015

“My Baby” (como gostas de ser chamada), hoje fazes 7 aninhos, como é que é possível que já tenha passado tanto tempo? Passou a voar não achas??? Pois bem hoje resolvi presentear-te com esta carta pois quero que as minhas palavras fiquem registadas para que um dia possas ler e quem sabe até responder às minhas questões. Estes 7 anos que passaram foram muito agridoce, tornas-te a nossa vida cá em casa tão mais colorida e alegre mas também redefiniste tudo o que realmente era de facto significativo num contexto familiar da qual inevitavelmente tu passarias a fazer parte. Se tivesse de descrever numa única palavra como foram estes 7 anos contigo, teria de ser “montanha-russa”, não me ocorre uma palavra mais indicada e perfeita. A tua sorte e a minha é que eu adoro montanhas-russas (aliás sou a única cá em casa) e sempre gostei de verdadeiros desafios, sendo que tu és e muito provavelmente serás sempre o maior desafio de todos. E o que faz isso de ti?
Ao fim de umas horas de teres nascido e após muita insistência da minha parte trouxeram-te finalmente para o pé de mim, tinhas os olhos mais atentos que eu já tinha visto, tenho a certeza absoluta que estavas a registar todo o som proveniente do novo mundo a que agora pertencias. Lembro-me de pensar que não tinhas aquele choro tão típico dos recém-nascidos o que naquela altura foi uma bênção pois encontrava-me completamente exausta de todo o procedimento que envolve fazer uma cesariana e, apesar de ser a segunda intervenção do género foi a mais complicada em todos os sentidos.  Olhar para ti era mágico e estranho, sabia que algo se estava a passar contigo logo assim que nasceste pois tanto a equipa médica como a de enfermagem se comportavam de uma forma suspeita e, eu sabia mais ou menos como se processava tudo em situação normal. Passavas muito tempo na Neonatologia nos primeiros dias, hoje claro sei o porquê de todo esse mistério. Não, não era possível diagnosticar-te autismo tão cedo, embora o teu comportamento fosse diferente dos outros bebés, a verdade é que trazias contigo algumas alterações genéticas que acabaram por conduzir-te à consulta de Genética e onde despoletou todas as outras consultas de diferentes especialidades, até ao veredicto final. Por ti tive que desistir de muita coisa nestes anos todo que passaram mas sabes não fui a única cá em casa a fazê-lo, todos de algum modo tiveram de desistir de algo para que tu conseguisses alcançar e ser o que és hoje. Muitos foram os que nos “abandonaram” pelo caminho pois é duro para alguns ao que parece conviver de perto com crianças especiais, é um preço que sabíamos que teríamos de pagar mas sabes que mais só faz falta quem cá está e tu sabes que a tua família pode estar agora mais reduzida mas somos “bons!” Diga-se de passagem que só podia ser assim, afinal sem ti seriamos apenas mais uma família como as outras e não nos sentiríamos também especiais. Sim, nós sentimo-nos especiais por te ter minha querida, nunca em tempo algum duvides disso.
Coube a mim a maior fatia da “desistência”, se é que se pode chamar assim. Desisti completamente nos primeiros anos da minha vida profissional, eram tantas as consultas por semana que não haveria nenhum patrão tão compreensível, surgindo depois inúmeras sessões de terapia. Houve alturas que pensei que ia dar em doida, foi então que comecei a ouvir que o teu autismo  tinha como origem a genética, que eu teria tido ainda que muito ligeiro autismo. Imaginas como eu fiquei? Primeiro culpei-me muito mas muito (sou boa a fazer isso) mas depois comecei a pensar (também sou boa nisso), se os médicos estavam de acordo que eu teria tido o mesmo que tu, que apenas agora passaria despercebido então talvez nem tudo estivesse perdido. E foi assim que resolvi retomar o “sonho académico”, meti na cabeça que teria de provar a ti que se eu conseguisse tu irias também conseguir um dia fazê-lo, claro que nem sei o que realmente vais desejar para ti daqui a muitos anos mas essa foi a maneira que eu arranjei para “sobreviver” a tudo isto. Se me perguntares um dia se valeu a pena, a única resposta será que sim, sem dúvida. Claro, que todos nós cá em casa deixámos de fazer coisas que outras famílias naturalmente fazem para que possas vir a ficar autónoma um dia, não direi feliz porque isso eu sei que tu és, aliás sempre foste, sempre fizemos questão que assim fosse!
No entanto, tu deste muito mais a todos nós do que propriamente tiraste, ensinaste-me a ser mais feliz, faz isto sentido para ti? Se calhar não, talvez nem para mim pois eu achava que era feliz antes de termos que lidar com o teu autismo mas, estava redondamente enganada, descobri uma coragem que não sonhava sequer que existisse, uma força interior sem limites mas sobretudo descobri um outro tipo de amor…..algo muito mais genuíno, algo que talvez outros pais como eu sabem o que é. Quero com isto dizer-te que estes 7 anos foram os anos mais difíceis da minha vida mas foram também os anos que mais me preencheram como ser humano. Não, não existe arrependimentos nem sequer lugar para qualquer tipo de amargura, somos uma família unida e é assim que funcionamos.
“My Baby” já passamos por tanto não foi?? E sabes que mais?? Muitos mais anos (se tudo correr bem) iremos ter pela frente para que tu e eu possamos desafiar os obstáculos que forem aparecendo no teu longo caminho pelo mundo do autismo. O que mais adoro em ti é esse teu sorriso tão único, embora actualmente esteja bastante desdentado por sinal! Enquanto esse teu sorriso durar tenho a certeza que tudo vai correr pelo melhor e que um dia, daqui a muito tempo espero, leias estas palavras e sintas que valeu a pena ter uma mãe como eu, porque para mim tu e a tua irmã fizeram da minha vida algo com sentido.
Que tenhas imensos 7 anos pela frente e que continues a querer ser a minha “My Baby”, pois para mim sempre o serás. Um grande beijinho de todos cá de casa e que consigas alcançar tudo aquilo que precises para seres feliz ao longo da tua vida.

                                                                                                              Mãe
                                                                                              “a minha mãe” (como dizes)



terça-feira, 1 de setembro de 2015

Uma colónia de férias muito especial - 2ª parte


       

         Regra geral uma colónia de férias serve para manter as crianças ocupadas durante um longo período de férias escolares e espera-se apenas que aproveita o melhor possível desses tempos de lazer que as colónias têm para oferecer, consequentemente os pais têm algum tempo de descanso nessa altura ou podem ir trabalhar mais descansados. Neste tipo de colónia, as expectativas vão mais além, todos querem ver resultados mas para isso existe muito trabalho a fazer nas duas semanas de colónia e é esse trabalho que vou descrever aqui hoje para se ter uma noção do que são e para que servem este tipo de colónias.
        Durante duas semanas existiu um horário muito preenchido e rigorosamente cumprido quer pelas crianças quer pelos monitores da colónia. As manhãs eram bastante intensas pois a natação adaptada envolve mais coisas que não apenas exercícios de natação, aqui a comunicação e a parte sensorial e cognitiva também é trabalhada, esta actividade acontecia todas as manhãs às 9h durante as 2 semanas. A psicomotricidade realizada num ginásio devidamente equipado eram para a Verónica o ponto alto do dia, o que para nós cá em casa foi um alívio pois a miúda que adorava este tipo de terapia estava de volta e sabíamos que estávamos de novo no caminho certo (se é que isso existe mesmo). Ao contrário do que pensávamos não foi a música que despertou mais interesse na Verónica mas sim as bicicletas (há muito que tinha despachado a bicicleta que era da irmã para uma menina carenciada porque assim como assim estava abandonada na arrecadação e ninguém queria saber da bicicleta), o entusiasmo foi tanto que teremos agora de comprar uma pois além de ser algo que ela agora pura e simplesmente adora é também bastante importante para trabalhar a parte locomotora.        





         Dos workshops sabemos que adorou o das pinturas com as mãos e como é mais que óbvio pintou não só o desenho mas também ela própria da cabeça aos pés bem como a monitora desse dia, a avaliar pelo relatório diário da colónia. A expressão plástica foi onde ocorreu mais resistência da parte dela pois nem sempre se mostra disponível para fazer no papel exactamente o que lhe pedem (tem sido esse o maior problema quer em terapias quer na escola), logo esta foi a actividade da colónia que se mostrou ser uma maior desafio para os monitores no que toca à Verónica, nem a adoração por certos monitores valeu de muito mas também não podia ser tudo rosas, não é verdade? 
         A alimentação da Verónica tem sido um verdadeiro desafio cá em casa, não é fácil lidar com texturas, cores, aromas, formato sem dar em doido por vezes. No entanto, resolvemos aproveitar a maré da colónia e introduzir diferentes hábitos alimentares, com a ideia de que ao gastar imensa energia talvez prove e na melhor das hipóteses coma tudo. Assim, introduzimos nos lanches um novo iogurte magro (aroma de morango) e sandes de pão integral com fiambre ou chourição (se fosse tudo dieta simplesmente não lhe tocava). Quando recebíamos a lancheira de volta ao fim do dia vinha quase sempre vazia e a grande surpresa foi no refeitório da colónia, voltou de novo a comer sopa (fora de casa), comeu salmão de boa vontade e a maior surpresa foi que conseguiram que ela comesse bacalhau (ela odeia esse alimento por casa da textura).
          Os dias de passeio foram também bastante animados e se tivesse que escolher qual o que a minha piolha mais gostou de certo que seria a quinta pedagógica e a minha intuição mais uma vez não falhou, os animais fazem magia com a Verónica, ao ponto de ela partilhar a sua comida com eles, por essa razão a quinta pedagógica foi bastante interactiva pois permitiu alimentar os animais da quinta. O passeio ao museu correu bem mas não despertou tanto entusiasmo por causa dos animais.
           Enquanto mãe um dos pontos altos desta colónia especial foi a festa final pois conseguiram por 13 miúdos super especiais a fazerem uma peça de teatro, é algo tão extraordinário pois nas festas escolares sabemos à partida que os nossos miúdos especiais não vão fazer parte da peça de teatro, não porque a turma ou o professor (a) não os inclua (no caso da Verónica sempre houve muita inclusão) mas simplesmente porque não conseguem que eles cumpram o seu papel na peça de teatro, nem que eles queiram participar porque ficam agitados (fora da rotina). Desta vez foi diferente eu e todos os outros pais conseguimos assistir a uma peça de teatro diferente em que os nossos filhos pela primeira vez ou não foram as estrelas da peça, só um aparte nesta peça de teatro a Verónica era a colher! Claro que tiveram bastante auxílio dos monitores mas o que aqui realmente importa é que eles finalmente tiveram a oportunidade de serem eles os protagonistas. 





           A todos os pais que se mostram tão indecisos em optar por este tipo de colónias para meninos especiais o nosso feedback cá em casa foi bastante positivo, uma experiência única a repetir com toda a certeza. Os progressos a registar na Verónica ainda estão a ser descobertos pois de vez em quando descobrimos algo novo de forma espontânea mas o grande desenvolvimento deu-se na linguagem (conversa muito mais, não só em inglês mas também em português), embora com algumas restrições na área alimentar; já prova coisas novas e mesmo que não queira pelo menos deixa colocar no seu prato; muito raramente pede colo; não sabemos se foi da colónia mas descobrimos agora que de facto já tem a noção do ontem, amanhã e depois de amanhã e também o que são as férias de Verão; mostra e pede aquilo que necessita, não ficando os outros a adivinhar qual a sua necessidade; sente mais necessidade de estar com outras crianças e até troca beijos sem serem solicitados com outros miúdos; para terminar acho que a colónia a tornou uma criança ainda mais feliz.
       Ao longo da vida destes miúdos especiais, os pais têm pela frente um rol de decisões que superam em muito as decisões de outros pais, no entanto por vezes o “medo” e o receio de que os nossos filhos possam passar por situações dramáticas leva-nos a criar barreiras sem nos apercebermos para os nossos filhos. Embora tenha ultrapassado várias barreiras pela Verónica, tenho a perfeita noção que esse tal “medo” fez-me adiar algumas decisões que vieram a confirmar-se não terem fundamento. Aliás, quando reflicto sobre o assunto penso queremos tanto que os nossos filhos sejam incluídos num ambiente dito “normal” que nos esquecemos que eles também precisam do outro “lado da moeda” para se sentirem completos ou simplesmente serem eles próprios sem restrições. A melhor lição que eu como mãe levei desta experiência é que não existe um ambiente perfeito para a Verónica e que ela tem necessidade de estar no mundo “normal” e no mundo “especial” para ser feliz e ultrapassar os obstáculos que inevitavelmente o autismo lhe trouxe.