No passado dia 2 e 3 de Outubro
estive presente num Workshop Nível 1 do Pivotal Response Treatment (PRT) no ISMAI por causa da Verónica. Uma das
melhores “armas” enquanto pais de crianças com necessidades especiais é termos
formação, não basta sabermos qual é o problema temos de saber como os “ajudar”.
Existe cerca de 200 métodos para Perturbação do Espectro do Autismo (PEA), o
que por si só torna a escolha algo difícil e preocupante, uma vez que apenas
uma fatia muito pequena desses 200 métodos está validada cientificamente.
Naturalmente, que muitos serão os pais que não optem por algo validado pela
ciência mas cá em casa (talvez por defeito de ser Bióloga) essa hipótese até à
data não se coloca.
Mas afinal o que é mesmo o PRT?
O PRT é um dos tratamentos (métodos)
comportamentais mais estudado e validado cientificamente para o Autismo. Deriva
da análise comportamental aplicada (ABA), tendo como objectivos o
desenvolvimento da comunicação e da linguagem, assim como os comportamentos
sociais positivos e ajuda nos comportamentos disruptivos. A grande vantagem
deste método é a motivação, autogestão, resposta a várias pistas e início de
interacções sociais. De modo a tornar a
intervenção bastante eficiente e poderosa , são incorporados procedimentos
motivacionais (Ex: Escolha da criança, variação nas tarefas, uso de reforços
naturais directos, etc.) pois o objectivo do PRT é conduzir a criança com PEA a
ter uma trajectória de desenvolvimento mais típico, através de objectivos de intervenção
individualizada, tendo como base as necessidades da criança. Como acontece com outros métodos o PRT tem
mais resultados quanto mais cedo for implementado, no entanto é um método que
pode ser utilizado em qualquer idade pois apresenta benefícios na mesma.
Já há alguns anos que
inevitavelmente ando a pesquisar sobre métodos e tratamentos relacionados com o
Autismo e digo relacionados porque nem tudo o que se escreve sobre Autismo e
diz é necessariamente verdade. Além do mais, quer queiramos quer não existirá
sempre todo “um mundo” que fará disto um negócio mas para nós pais trata-se dos
nossos filhos e cabe a nós escolher qual o caminho a seguir e não é fácil. Eu
optei por fazer este Workshop do PRT pois há já algum tempo que sabia deste
método (bastante usado nos Estados Unidos) e como de costume nem tudo o que se
passa “lá fora” chega até ao nosso país, assim mal soube deste workshop não
perdi a oportunidade. O que mais me atraiu neste tipo de método para além da
sua validação, foi estar mais virado para a parte comportamental usando a
motivação.
Motivação
Todos os que conhecem bem a
Verónica sabem perfeitamente que embora ela tenha Autismo tem acima de tudo uma
personalidade bastante forte (muito segura de si), personalidade essa que não
passa despercebido a nenhum médico, terapeuta, professor, educadoras, etc.
Assim sendo, é uma criança que apesar de ter um elevado potencial para a
aprendizagem quer esta seja académica ou não, tem problemas ao nível do
comportamento que comprometem por vezes esses momentos de aprendizagem. A
motivação é portanto a “alavanca” para esses momentos de aprendizagem mas nem
sempre se consegue motivá-la pois a tarefa a cumprir pode não ser apelativa o
suficiente para querer sequer esforçar-se para a concretizar. O PRT de forma a
motivar usa reforços positivos de forma a compensar a criança pela tentativa de
realizar a tarefa imposta mas também para a motivar a querer realizar a tarefa.
Fará isto sentido? Na minha opinião faz, se a criança com necessidades
especiais se esforça muito para concretizar uma tarefa imposta (Ex: comunicar
por palavras, escrever uma frase, atar os atacadores dos ténis, etc) tem de ser
recompensada pois é uma forma de valorizar o seu esforço e de motivá-la a
continuar a fazer a mesma tarefa em outras ocasiões. Não há necessidade para
alarme, não é necessário recompensar sempre, apenas em alturas mais complicadas
até o comportamento correcto ocorrer de forma natural, até porque se a
recompensa for um m&m’s não vamos querer que a criança coma um pacote
inteiro em um ou dois dias. Os reforços positivos podem variar muito (depende
muito da criança), podendo ser um
m&m’s, 10 min no tablet, um intervalo no baloiço, fazer um desenho, um
abraço, etc. Se a criança adora tablets há que jogar com isso mas se a criança
adora m&m’s o caminho passará por aí, no entanto estes reforços têm um
tempo de duração, a criança não estará motivada de igual forma como nos
primeiros dias, digamos que já percebeu qual o objectivo e é preciso encontrar
outros reforços positivos. Antes da formação já aplicava algumas técnicas do
PRT, algumas com plena consciência outras apenas por instinto mas nem sempre as
coisas correm como nós queremos e chega um ponto em que estamos tão cansados
que nem sequer estamos motivados para corrigir aquele comportamento no momento
crucial pois pura e simplesmente estamos de “rastos” e só queremos sair da
situação. Isto aconteceu várias vezes comigo, por vezes ia ao supermercado com
a Verónica e ela fazia uma birra tão grande que eu não conseguia controlar (daquelas
em que todo o mundo que está a fazer compras gosta de opinar e dizer que isso é
mimo a mais ou que com uma palmada nesse “rabo” a ver se não aprendias a lição),
mais do que qualquer coisa só queria que a situação terminasse e caí na asneira
de uma vez lhe dar um ovo kinder só para ela parar com aquilo, se resultou?
Não, não resultou pois a birra não fora provocada por querer algo (muito
provavelmente fora por começar a haver muitas pessoas dentro do supermercado)
mas já devem adivinhar o que aconteceu nos dias que se seguiram, a Verónica mal
entrava no supermercado ia direito ao “prémio” mesmo antes de fazer “birra”…foi
aí que percebi mais a sério o tamanho do erro que cometera. O problema destas
crianças é que depois de um comportamento adoptado torna-se uma tarefa árdua corrigir
ou eliminar esse comportamento disruptivo. O objectivo do PRT é esse, corrigir
comportamentos e por essa razão torna-se adequado para crianças como a Verónica,
além de ter a grande vantagem que a família pode e deve adoptar esse método pois
muitos desses comportamentos acontecem em casa e não só no período escolar. Uma
das coisas que me chamou mais à atenção durante o workshop foi que não basta as
crianças estarem motivadas, quem lhe apresenta a tarefa ou pretende corrigir o
comportamento disruptivo tem de estar motivado também, faz sentido? Faz todo o
sentido, estas crianças são autênticas esponjas e a absorvem literalmente tudo
o que as rodeia, logo se estivermos aborrecidos ou desmotivados não vamos
conseguir motivar nem uma criança “normal” quanto mais uma com autismo. Este
método defende por isso que haja entusiasmo e motivação também por parte dos
que interagem com a criança. Não é à toa que por vezes quando estamos todos
muito cansados cá em casa as coisas não corram da mesma forma do que quando
estamos por exemplo no período de férias. A motivação é o fio condutor para o
sucesso para tudo na vida, logo para estes miúdos é não mais nem menos que a
ferramenta principal no que toca a corrigir comportamentos.
Flexibilidade
O PRT defende ainda a flexibilidade mas se estes
miúdos conseguem ser do mais inflexível que há faz sentido haver flexibilidade?
A resposta é sim, estas crianças tendem a ser inflexíveis especialmente no que
toca a alterar a sua rotina ou quando lhe és apresentado algo novo por exemplo,
têm problemas em lidar com o inesperado pois transmite-lhes insegurança,
levando depois a terem comportamentos disruptivos. A flexibilidade pode jogar
muito a favor numa tarefa imposta, por exemplo uma criança que não quer
escrever o que lhe pedem no papel mas sim jogar no tablet, podemos pedir que
escreva o nome do jogo no papel, de forma a obter o que quer. A criança ficará
motivada para jogar no tablet e escreverá o nome do jogo no papel, ambas as
partes tiveram de ceder mas ambas as partes obtiveram o que pretendiam. Este
foi apenas um exemplo mas muitos mais podem surgir (depende da imaginação e
motivação de cada um e, claro da motivação da criança). Por exemplo pode-se apresentar
“falsas escolhas” à criança, escolhe-se duas tarefas pré-seleccionadas e dá-se
a escolher à criança, a criança escolhe por exemplo a tarefa mais simples em
vez da mais difícil, logo a compensação será também de menor “valor” para ela. Aqui
pretende-se dar uma certa ilusão de “independência” para escolha de tarefas ao
mesmo tempo que a criança começa a ter a percepção que tarefas mais complicadas
de realizar merecem uma compensação maior, podendo conduzir à motivação da
realização dessas mesmas tarefas.
Linguagem e comunicação
Outro ponto bastante importante
do PRT tem a ver com a linguagem, criar oportunidades de uso de linguagem, isto
é, trabalhar a linguagem com crianças com autismo não tem de ser só naquela
sessão de terapia da fala mas sim em qualquer ocasião. Se o seu filho tiver uma
ou duas horas semanais por exemplo de terapia da fala e só aí trabalhe a
linguagem, faça as contas e veja as horas que perdeu para criar oportunidades.
Muito antes de conhecer o PRT já criava estas oportunidades, no início era um
pouco frustrante pois ou era um monólogo ou então era a ecolalia (o que não é
muito problemático pois significa que está tudo bem fisicamente para
conseguirem falar), mas nunca desisti, até cantar de forma parva de modo a que
a Verónica interviesse para eu me calar, se alguém tivesse gravado acho que
morria de vergonha mas de facto ainda hoje essa técnica funciona, muito embora
agora venha acompanhada de outras palavras, mas não era esse mesmo o objectivo?
Todos os momentos são susceptíveis de se criar uma nova oportunidade para
comunicar e para a linguagem.
Em situação de “birra” ou stress o
PRT não deve ser usado, ou seja, se está perante um comportamento disruptivo
sabe que não vai conseguir nada até a criança se acalmar logo não adianta
insistir nesse momento, quando for mais oportuno retomará de novo. Quando falei
deste método ao médico da minha filha, disse-me que era excelente mas que não é
eficaz sempre, como acontece com outros métodos mas disse-me uma frase que
compreendi perfeitamente e registei: “ Por vezes de modo a antecipar situações
disruptivas a compensação terá de ser dada antes e não depois. Não podemos
ganhar todas as batalhas com as crianças.”

https://youtu.be/Uz_GgSYxlSg