domingo, 7 de maio de 2017

Dia da Mãe "Azul"

Para as minhas filhas que fizeram desabrochar dentro do meu ser um sentimento único e arrebatador que faz de mim um ser humano muito melhor e especial.




“E mesmo assim recebeste o que querias desta vida?
Recebi.
E o que querias tu?
Considerar-me amado, sentir-me amado aqui na terra.”


RAYMOND CARVER -  “LATE FRAGMENT”



 
         E porque hoje celebra-se o Dia da Mãe, o Arco Iris Autista dedica este texto não só a todas as mães, mas àqueles que transformam toda uma vida só por existirem, os filhos claro.

          Apesar de estar aqui a celebrar convosco o dia da Mãe, não o acho assim tão especial e passo a explicar quais os meus motivos. Ser-se mãe não significa carregar-se no ventre durante nove meses um ser que carregará parte dos nossos genes, isso faz parte da definição de progenitora, então o que realmente significa ser-se mãe? 

       Quando fui mãe pela primeira vez, não estava claramente preparada para o ser, entre muitas coisas a idade não era de todo a apropriada e talvez ainda não soubesse quem eu era de facto, ainda andava a descobrir-me enquanto ser. Quando nos explicam o que muda após sermos mães nunca conseguem transmitir aquilo que realmente acontece, não só ao nosso corpo dorido após todo o processo do nascimento, mas aquilo que verdadeiramente acontece ao nosso ser, aquilo a que eu denomino de arrebatamento. Sim, para mim foi isso que se deu…um arrebatamento no momento em que vi a minha filha nos meus braços a olhar para mim ou através de mim, foi um momento de cortar a respiração em que tive de lembrar o meu corpo ainda paralisado da anestesia para respirar, estava perdidamente apaixonada não pela ideia de ser mãe, mas por aquele pequeno ser. Lembro-me de ainda na maternidade achar que não ia saber distinguir os diferentes “choros” quando fosse finalmente para casa, a ideia de dar o primeiro banho era um horror, eram tantas as perguntas sem resposta, claro que para todas elas só havia uma resposta possível: o instinto!


      Só voltei a ser mãe muitos anos mais tarde, naturalmente que todo o processo embora apaixonante não era de todo novidade pelo que acabei por não dramatizar tanto como da primeira vez, logo parecia tudo um pouco menos emocionante. Contudo, nunca podemos prever o que o destino nos reserva e ainda durante a cesariana com epidural dei conta que havia algo muito diferente a acontecer, o silêncio e a troca de olhares entre médicos e enfermeiros nunca agoiram nada de bom e por vezes são as próprias palavras tranquilizadoras que fazem soar todos os alarmes dentro do nosso ser. Claro que a palavra autismo na minha vida estaria ainda longe mas já existiam características que inevitavelmente acabariam por conduzir a esse diagnóstico quase três anos depois mas, foi naquele momento em que percebi que a minha vida tinha mudado para sempre, só não sabia era qual o significado disso…hoje claro que sei.
Há quem ache a mães dos miúdos do espectro do autismo, guerreiras e especiais, somos só as mães que os nossos filhos precisam para sobreviverem num mundo que não está ainda preparado para eles, embora estejamos a viver numa época onde se fala tanto de Inclusão. A única coisa que posso aqui é que garantidamente as mães destes miúdos têm de ser necessariamente corajosas e como me disse uma vez uma dessas mães temos de ter um pouco de loucura. Estranho não? Vejam uma lista de alguns exemplos abaixo descritos.


Quantas vezes temos de rir de algo que os nossos filhos fazem para não chorar?

Lembro-me de rir (muitas vezes o sorriso nunca chegava nem de perto aos meus olhos) quando a Verónica alinhava artigos de supermercado, não permitindo que ninguém tirasse nada daquela mesma prateleira, de situação engraçada passa automaticamente a situação alarme. A estratégia passava por sorrir e agir sempre com naturalidade, mas qual naturalidade? Temos a nossa cria a “controlar” todo um corredor de supermercado e os clientes (felizmente desconhecidos) a olhar horrorizados não para a criança, mas sim para quem? Lógico para a mãe, que mesmo que tivesse um buraco jamais poderia enterrar-se nele. Por vezes conseguia imaginar um mundo diferente numa outra dimensão, onde conseguia isolar o som das pessoas e até a presença das próprias pessoas.


Quantas vezes passamos noites em claro a pensar qual a melhor estratégia para ajudar os nossos filhos a superarem os seus obstáculos quando não existe um guia de respostas?

Quando o mundo nos desaba em cima, a tendência é de procurar soluções ou a de fugir, fugir com os nossos miúdos “azuis” não dá certo? Então há que suspirar, dizer ou pensar muito provavelmente em dois ou três palavrões (nunca na presença da criança claro, seria dramático) e “arranjar” as ditas soluções! A questão é onde arranjar essas soluções! Sim como qualquer outra mãe também comprei um livro das perturbações de desenvolvimento, todo muito bem escrito, mas para além de ser completamente inútil não trazia nada que me pudesse ajudar, a não ser que eu soubesse decorar um rol de perturbações de desenvolvimento da criança.





Quantas vezes temos de passar por situações insólitas?

Devido á selectividade alimentar e ter daquelas “sortes” em que os poucos artigos consumidos pela Verónica estão constantemente a mudar o rótulo, sofrendo depois rutura de stock ou simplesmente quando resolvem mexer na sua fórmula, mudando o aroma e respectiva textura…acreditem é como tirarem-nos o tapete. E o que se faz? Corre-se aos supermercados possíveis e imaginários até onde a sensatez ou a falta de sensatez permite e, depois há sempre a comunicação com a marca desse mesmo produto via telefone, mesmo que isso signifique telefonar para um país estrangeiro.


Quantas vezes temos de justificar aquilo que não queremos nem devíamos de ter de justificar?

Por vezes, não sempre, pois acabo por ter estratégias que permitem fugir um bocadinho de certas situações, tenho de responder a questões que são constantemente repetidas (apenas muda um dos intervenientes, não eu claro). Não teria qualquer tipo de problema se as questões fossem feitas de uma outra forma, não tão trágica ou desmotivante como geralmente são, embora também saiba que o motivo disso é na grande maioria das vezes ignorância e não maldade…acabando por ceder e respondendo educadamente sempre que possível mas à minha maneira.

“Deve ser horrível ter uma criança com autismo, não é verdade?
Deixe lá, há coisas muito piores como uma leucemia ou uma doença degenerativa…isto é só autismo (engulo em seco e sorrio).
Não sei como consegues viver com isso?
É a minha filha, é suposto viver com ela (oiço os meus dentes a ranger pelo tom da pergunta, não pelas palavras ditas).
Já imaginaste como vai ser o futuro dela?
Não e tu sabes se chove ou não amanhã? (quando a paciência não abona no nosso código genético). “

Quantas vezes temos de levar com a opinião dos outros quando não estamos sequer para aí viradas?

O que serve para uns não tem de necessariamente servir para os outros e dentro do espectro isso é bastante real. Contudo, há sempre aquele indivíduo que não vive com nenhuma criança do espectro nem tão pouco trabalha na área do autismo, mas tem sempre resposta e solução para tudo, o que nos atesta a nós um atestado de incompetência pois claramente aquele indivíduo é mais esperto que nós, pois com alguma sorte até tem algum tipo de teoria. Há dias em que temos de ser mais assertivas para não magoar essas pessoas ou até para nos poupar ter um diálogo mais longo do que o estritamente necessário para a nossa própria sanidade mental, mas há sempre um mas, certo? Pois bem há aquele dia em que a nossa “cria” resolve sabe-se lá porquê fazer uma “birra” monumental e estamos perante um momento caótico e há alguém que em vez de fugir a sete pés, vem dar não só apoio moral, mas dar “dicas” de como lidar com a “situação” (momento para contar até três, respirar fundo e dizer educadamente para a pessoa afastar-se para não “esganar” a pessoa em questão).


Quantas vezes temos de ir tratar de papeis para tudo e mais alguma coisa?

Para além de termos de fazer o nosso papel de mãe como qualquer outra mãe, o “sistema” passa a vida a pedir papeis e relatórios para os pais entregarem e assinar. Desengane-se quem pensa que somos dramáticas, são papeis para juntas médicas, para a segurança social, para a escola, para os médicos e penso que não me esqueci de nada. Quando olho para toda a papelada que tenho, constato que a maior parte dos papeis são para justificar outros e chego à conclusão que a maior parte são mesmo desnecessários pois não estão sequer atualizados muitas vezes (relatórios médicos e avaliações).

Poderia aqui continuar a fazer a “lista azul”, mas penso que fica aqui uma porção daquilo que é ser-se mãe de uma criança “azul”, por vezes escapa-me como é que conseguimos ter a nossa sanidade mental intacta e só me ocorre uma única resposta: o nosso amor de mãe que é arrebatador e faz de nós especiais porque temos filhos super especiais, eu tenho duas e são ambas a luz que ilumina toda a minha vida.

Feliz dia da mãe!





domingo, 2 de abril de 2017

2 de Abril e a sensibilização mundial sobre o autismo



O dia 2 de Abril é um dia especial para famílias que vivem com o autismo pois é o dia mundial da consciencialização do autismo. Esta data foi proposta pelas Nações Unidas que, desde 2007, tem apostado na sensibilização mundial sobre o Autismo.

Assim de repente, não acham estranho não ser o dia mundial do Autismo mas sim o dia da consciencialização do autismo? 

Bem para todos aqueles que vivem com esta realidade, o que vai muito para além das famílias mas sim toda a comunidade que está envolvida directa ou indirectamente com o indivíduo que tem Perturbação do espectro do Autismo (PEA), o que mais uma vez leva a outra questão. Não estará o mundo inteiro envolvido? Pois se não está devia, como já se tem vindo a perceber sobretudo na última década o número de crianças em todo o mundo com o diagnóstico de autismo tem disparado e estima-se que ainda haja um aumento exponencial. No entanto, não são só as crianças com PEA que são ou devam ser lembradas neste dia 2 de Abril mas sim todo e qualquer indivíduo com este diagnóstico e, acreditem há muitos adultos que sofrem desta patologia, sendo que alguns desconhecem o que têm esse diagnóstico pois nunca foram diagnosticados durante a sua vida.

Estima-se que 1 em 6 crianças é identificada com alteração de desenvolvimento ou problemas de comportamento, sendo que aproximadamente 1 em 88 é diagnosticada com Perturbação do Espetro do Autismo (CDC, 2012).


Mas afinal porque razão existe um movimento e uma onda de sensibilização neste dia e porquê o autismo, se existe tantas outras patologias se calhar bem mais graves?

Durante algum tempo sentia-me impotente como mãe de uma criança dentro do espectro pois não conseguia fazer chegar às pessoas o que a minha filha tinha, primeiro porque há uma ideia generalizada e pré-concebida muitas vezes de um conceito de autismo totalmente diferente da realidade pois tem como base o “Cinema” e, como o autismo não afecta de igual forma em todos os indivíduos, onde até mesmo entre sexos diferentes há diferenças abismais nos sintomas, a confusão e desinformação instala-se mas, também há quem ignore o que é o autismo e sobretudo o que é viver com um diagnóstico de autismo. Assim, serve o 2 de Abril e o mês de Abril para consciencializar e espero que enquanto mãe de uma menina especial, sirva também para sensibilizar as pessoas não só para pessoas com autismo mas para pessoas consideradas “diferentes” que de alguma forma já são condicionadas pela sua própria condição e cujo o único desejo é o de igual a qualquer ser humano, o ser feliz!   


Como já tem vindo a ser habitual em vários pontos do mundo, o dia 2 de Abril é um dia de azul (a cor do autismo), assim iluminam-se monumentos e habitações com luzes azuis, partilham-se imagens e frases alusivas ao autismo pelas redes sociais, fazem-se maratonas, marchas, veste-se roupa azul, entre outras coisas. E como melhor que palavras são as próprias imagens, aqui ficam algumas imagens que marcaram o dia 2 de Abril de 2017. No próximo texto do blogue vou contar-vos como celebrámos este dia tão especial para nós.

Câmara Municipal Sobral Monte Agraço

 Sede Voa - Inclusão para a deficiência


 Escola Sobral Monte Agraço

Arruda dos Vinhos

Cristo Rei
               
Câmara Municipal de Lisboa 
                     
Estádio do Dragão - Porto
           
Cine-Teatro Sobral Monte Agraço


terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Jake, um cão muito especial e colorido!

        Quando se recebe ou se tem suspeitas de um caso de autismo, regra geral inicia-se uma busca por tudo aquilo que possa ajudar e muitas vezes caímos no erro de por impulso tomar decisões menos acertadas, mas isto acontece com toda a gente, certo? Bem de entre milhares de soluções (estou a exagerar obviamente), foi-nos sugerido um cão para a nossa Verónica mais concretamente um Labrador pois seria supostamente a “raça” indicada para o autismo. Bem, nós já tínhamos o nosso cão, o Max, um Pastor Alemão super leal e até bastante calmo e super protector mas que não despertava interesse na Verónica. Era como se ela ignorasse completamente mas como bem sabemos todos aqui, esta é uma das principais características do espectro, a não interacção. Quando comentava com pessoas acerca do tema de um novo cão, todos sugeriam o Labrador e apenas uma pessoa sugeriu um novo Pastor Alemão, acontece que nós não queríamos ter mesmo outro cão mas acabamos por ceder, não foi difícil, bastou apenas eu segurar e tocar num cachorro. Em relação aos animais, sou pior que os miúdos que mexem em tudo o que não devem só porque são atraídos por algo, senti uma necessidade de o trazer para casa, para fazer parte da nossa família com a possibilidade de ele estimular a Verónica. Estava tão mas tão longe da realidade, ela não interagia com ele o Ty, ele só tinha interesse em andar atrás de mim ou de comer, era e é tão bruto que passa até por cima da miúda como se deixasse de a ver. Claro que não tem maldade nenhuma, é completamente desnorteado e até nos dizem que ele é hiperactivo. Tentámos claro várias coisas, estava fora de questão de aceitar sugestões de que ele deveria ir para uma quinta ou outro sítio qualquer, se é o elemento da família só tem de estar junto da família, não temos nós todos defeitos? A veterinária, disse que assim como nos humanos há cães que têm também perturbações mentais e que claramente ele teria alguma mas nada de grave, boa era só o que me faltava, pensei na altura. Depois disse-me que tinha sido enganada no sentido que ela não aconselha esta raça para crianças como a Verónica, existe raças bem mais adequadas e claro existe a hipótese de se obter um cão já treinado mas além de ser caro tem de se esperar como se fosse uma encomenda quase exclusiva…..bem nós tínhamos dois cães, não íamos ter um terceiro de certeza.


       Continuamos na nossa vida normalmente, e passado algum tempo o nosso Max ficou gravemente doente e acabou por não resistir à doença, decidimos pela eutanásia devido à agonia em que ele estava mas quando veio se despedir da família morreu serenamente junto de mim, gosto de pensar que foi um acto de generosidade dele para comigo pois eu tinha lhe prometido que ficava com ele até ao último suspiro…..até ao último suspiro Max!  Foi talvez a pior coisa que me aconteceu na vida, ter perdido o Max, embora muitos não possam compreender como me relaciono com os animais quem me conhece sabe que para mim eles são família, logo a perda é um monstruoso vazio que jamais será preenchido….o Max era mesmo um cão muito especial e cheio de personalidade. Após a morte do Max, a Verónica começou estranhamente a perguntar por ele, nunca o tinha feito, deduzimos que era a alteração da rotina mas não ela queria-o de volta e ainda hoje, faz agora em Março 3 anos que eles nos deixou e ela ainda repete o nome dele pensativa.


     De modo a eu parar de chorar, um familiar decidiu que a solução era ir buscar outro Pastor Alemão, na minha mente só de pensar nisso me dava a volta ao estômago, era mais uma prova definitiva que o Max nunca mais voltaria para mim. Reticente aceitei ir só ver uma ninhada, claro que estava metida em trabalhos mal vi aquela ninhada, só me apetecia chorar e ao mesmo tempo abraçar eles todos e levá-los comigo, no fundo senti um rasgo de esperança….só não sabia do que se tratava ainda! O mais engraçado é que a Verónica foi connosco nesse dia e estava super interessada na ninhada, até descartou o ipad, o que naquela altura era impensável pois era até bastante obsessivo. Como ainda eram pequeninos, ficaram mais tempo com a mãe e viemos embora, sentíamos todos um misto de emoções mas ninguém parecia interessado em falar muito acerca disso. Quando finalmente fomos buscar o Jake (demos esse nome porque significa: aquele que vem ocupar o lugar do outro….físicamente), ele parecia que estava à nossa espera, assim que viu a minha filha mais velha foi logo ter com ela e já não a largou. 


        A Verónica parecia não ligar nenhuma ao Jake mas era volta e meia apanhada a observar o cão, de vez em quando perguntava pelo Max e ficava nos pensamentos dela. Como qualquer cachorro, roía tudo cá em casa, inclusive fomos de urgência à veterinária uma vez por causa de lhe ter sido arrancado um dente numa das suas peripécias com uma caixa decorativa, na nossa ausência claro. Então um dia, vou eu serenamente calçar os ténis da Verónica, os únicos que ela aceitava calçar e vejo que estavam completamente destruídos por ele, tentamos explicar a ele e para nossa surpresa não ficou sequer chateada, riu-se e deixou passar, ficamos atónitos sem saber o que pensar e começamos a ficar ainda mais atentos a eles os dois. 

       O Jake sempre foi aquilo que nós aqui em casa chamamos docilmente de cão palerma, não tem nada a ver com o Max nem com o Ty, de alguma forma ele sente que tem de estar literalmente em cima da Verónica ou colado nela mas é tão doido que não consegue conter o entusiasmo e desliga-lhe o computador sem querer às vezes ou derruba algum jogo que ela esteja a jogar e, ela não se importa. Numa tentativa clara de fazer com que ela interagisse, o Jake começou a fazer disparates, a correr feito doido, embatendo em coisas para elas caírem e a Verónica desatar a rir à gargalhada. Então aconteceu algo único, ela começou a chamar-lhe “burro” ou “parvo” cada vez que ele fazia alguma palermice e, de repente era como ser o porta voz do Jake, respondia por ele quando falávamos com ela, o que era estranho pois não respondia ela às nossas perguntas. A relação entre os dois era tão especial que começou a partilha do comer, ele sorrateiramente posicionava-se aos pés dela e pedia comida às escondidas, se no início ela dava só o que não queria logo começou a partilhar o que gostava, tivemos que redobrar as desparasitações da Verónica pois para ela o Jake era como a irmão ou talvez não, ela não partilha comida com ninguém só com ele.


      Estava tudo a correr lindamente, o que não surpreendeu nem mesmo a veterinária e então, começou a parceria dos disparates, sempre que a Verónica queria fazer asneiras desafiava e chamava o cão, quando víamos o cão a fugir de nós mal nos aproximávamos da situação percebíamos que havia algum disparate dos grandes. A última grande que aconteceu cá em casa foi uma inundação na casa de banho, a meio da noite a Verónica levantou-se sem ninguém dar por isso, só o Jake. Resolveu despir-se toda, e encher a banheira toda com água mas antes colocou cerca de três rolos de papel higiénico na banheira e claro entupiu tudo e a água transbordou saindo até da casa de banho para o corredor, isto tudo às quatro horas da manhã. O Jake em vez de chamar alguém como faz noutras situações resolveu partilhar aquele momento com ela e quando demos conta estavam os dois aos saltos a chapinhar na água do chão da casa de banho. Imaginem acordarem àquelas horas e assistirem à cena, ainda hoje a Verónica olha para a banheira e ri-se que nem uma perdida, imagino só a diversão daqueles dois….agora acordo sobressaltada para ver se não estão na casa de banho.


        No dia 24 de Fevereiro tivemos um acontecimento que nos deixou a todos de rastos, vivemos numa zona onde de vez em quando alguns cães são abandonados na altura da caça principalmente, e andavam cadelas com o cio, os nossos dois cães acabaram por conseguir fugir e só tinha voltado o Labrador, o Ty. Ficámos de rastos pois o Jake não é um cão orientado, sabíamos que não saberia voltar para casa sem ajuda, logo entrámos literalmente todos em pânico. Fizemos imensas buscas nos terrenos, colámos cartazes, fomos à GNR, publicitámos em sites de procura e fizemos apelos no Facebook, tive de abrir mais publicamente a relação dele com a Verónica pois temia que mo tivessem levado, prometi inclusive que não participava às autoridades mesmo que se tratasse de roubo, não aguentava saber que a Verónica ia mesmo ter esta perda pois não teria sequer a capacidade de compreender. Conseguimos apelar de tal forma que houve milhares de partilhas e acabou por voltar no domingo de manhã, perto da antiga escola da Verónica e claro a alegria e estabilidade voltou a reinar cá em casa, obviamente rédea curta para o Jake.


     Queria partilhar aqui no blogue esta história pois há coisas tão simples mas que têm um significado tão grande na vida dos nossos miúdos especiais e não, não tem de ser um Pastor Alemão, pode ser um cãozinho rafeiro, um gato, um coelho etc etc. Os cães têm a grande vantagem de conseguirem “cheirar” o autismo dos miúdos mas há histórias incríveis com gatos e outros animais com estes miúdos, se puderem e se tiverem condições para isso estudem bem esta opção…..a resposta é sempre a mesma….sensibilidade e amor!



      Deixo aqui um link de uma página que foi criada por mim no Facebook, sugeriram que fizesse uma para ajudar outros animais, seja procura, resgates, adopções ou só partilha de histórias….se o Jake conseguiu milhares de partilhas e voltou para casa por causa delas, porque não podemos fazer o mesmo por outros animais??? Quantos Jakes e Verónicas existirão por aí, certo? De vez em quando partilharei lá algumas aventuras da Verónica do Jake para avivar a página, os outros animais também merecem a nossa ajuda. Partilhem e participem na página, foi a forma que arranjámos de agradecer todas as partilhas do nosso apelo.



 Fiquem bem e mimem os vossos miúdos….as crianças e claro os patudos!


https://www.facebook.com/Jake-o-her%C3%B3i-1846486768922742/?pnref=story

domingo, 19 de fevereiro de 2017

O 1º Ciclo no autismo, uma boa ou má experiência?

          Há um momento crucial na vida destes miúdos especiais que aterroriza qualquer mãe ou pai, que é nada mais nada mesmo que a entrada no 1º Ciclo do Ensino Básico. Para qualquer outra pessoa que não saiba como é a rotina familiar destes miúdos poderá parecer demasiado proteccionismo e na melhor das hipóteses ou na pior das hipóteses que os pais são uns exagerados e dramáticos, tão longe da realidade certo? Cá em casa também foi um processo mais ou menos complicado e só não foi pior porque a Verónica já conhecia o professor titular da turma e alguns dos miúdos que estiveram no pré-escolar com ela.
            Se para as famílias destes miúdos é um stress o início desta nova etapa na vida dos seus filhos, imaginem então para uma criança com autismo, fora da sua rotina, muito provavelmente numa escola com instalações diferentes de onde era o seu pré-escolar, com uma turma nova, auxiliares novas, um professor (a) novo(a), uma maneira de estar na sala de aula completamente diferente, só pode ser angustiante certo? Por muito que gostasse de escrever aqui um texto floreado não dá para o fazer porque a verdade é que esta nova fase é um processo bastante complicado cheio de uma montanha russa de emoções. Cá por casa foi complicado na medida que embora estivesse tudo preparado para a entrada no 1º ciclo, na escola onde frequentava o pré-escolar, com o professor escolhido por ela (explico mais adiante) e claro por nós pais acabou por o agrupamento a colocar numa outra escola com uma professora (à moda antiga) e sem nenhum dos colegas do pré-escolar. Posso dizer com toda a certeza que foi um dos piores momentos da minha vida enquanto mãe da Verónica, é um sentimento de impotência pois não podemos obrigar um agrupamento a fazer o que é melhor para os nossos filhos….mesmo tendo havido suporte de opinião médica, ela não foi sequer considerada. Por ter tomado conhecimento desta alteração somente a uns dias de iniciar o ano lectivo, tive receio de não aceitar e colocar num outro agrupamento longe de casa sem ter sequer bem a noção de como seria, pois, de facto não tinha ninguém conhecido que pudesse dar um feedback. Embora a escolha não fosse a da nossa família pelo menos tínhamos pessoas que iriam acompanhar de alguma forma a Verónica e claro que teríamos conhecimento de como ela passaria os dias na nova escola.


      Só no início de Setembro estavam afixadas as turmas de alunos e que verificámos através de uma mãe que entrou em contacto comigo e perguntou-me o porquê da Verónica ser a única a não estar com os seus pares. Já não sentia desilusão, já era mais qualquer coisa mas diziam-me que a professora que ficaria com ela era experiente e de facto muitos pais pareciam adorar a senhora, embora não estivesse nada convencida resolvi dar o benefício da dúvida, afinal teria a mesma professora de ensino especial e o mesmo auxiliar espectacular da unidade de ensino estruturado, porque não tentar? Cheia de remorsos andei à procura de material alusivo aos My little poney, o que para não variar não havia quase nada pois como sempre ela tem tendência a gostar de coisas que já não estão na moda ou simplesmente não chegaram à Europa, sim ela adora tudo o que é americano e sim, sabe que a Amazon vende coisas estrangeiras e pede para lá compramos coisas desde os 4/5 anos. Conseguir arranjar a mochila e o estojo foi pura sorte mas tive que inventar na parte dos cadernos, ou seja, comigo o lema é: “Se não há, cria-se!”, pois bem imprimi uma data de póneis e criei eu os cadernos My little poney! Por momentos achámos que criar todas as condições pudesse de algum modo atenuar a angústia e a ansiedade de todos nós cá em casa, tão longe da realidade mas demos realmente o nosso melhor nessa altura, modéstia à parte.

           Então o famoso dia D chegou, escusado de dizer que practicamente ninguém dormiu na noite anterior, entrar naquele corredor que seria até habitual pois ela tinha passado por ele 3 anos consecutivos para frequentar a unidade estruturada  mas naquele dia parecia dia de sentença, tentei ignorar a sensação amarga que tinha e dirigi-me à sala, não consegui ter nenhuma empatia com a professora e comecei a sentir um ligeiro pânico. Se eu estava a sentir pânico então como estaria a miúda, ainda por cima sem conseguir comunicar verbalmente nessa altura? Tinha tudo para correr mal e correu mesmo! Ao fim de uma semana, já tínhamos assistido à minha frente a professora ameaçar bater nas mãozinhas como se fosse a coisa mais natural do mundo, os miúdos completamente sossegados na sala de aula nos primeiros dias, sem se levantarem das cadeiras mesmo não estando nenhum adulto (não me parecia de todo normal, uma vez serem miúdos dos 5 aos 6 anos de idade), vi uma professora completamente contrariada, a pensar que eu tinha exigido a mesma para a minha filha (nem sequer sabia quem era a senhora antes). A miúda acabou por ficar mesmo doente devido a toda esta situação, tinha pesadelos nocturnos, dores abdominais, náuseas e então vieram as diarreias, basicamente estaria aterrorizada. Não querendo entrar aqui em detalhes ao pormenor, acabou por vir para casa uns dias, até as condições estarem reunidas na escola que tínhamos escolhido para a nossa piolha, não tinham uma auxiliar para a acompanhar em pequenas tarefas ou necessidades básicas devido à condição de Autismo. A resolução esteve longe de ser pacífica e tive de pedir ajuda aos Pais em Rede, acho que sem eles não teria muito provavelmente conseguido concretizar a transferência de escola. Partilharei aqui o contacto desta associação pois penso que é relevante para todos os miúdos portadores de algum tipo de deficiência, não só os que pertencem ao espectro do autismo.
Então, finalmente ela teve verdadeiramente direito ao seu primeiro dia de escola, vi um sorriso tão cheio de alegria e um brilho no olhar que não dá para descrever em palavras mas que ainda hoje quando recordo me emociono, não tanto por termos vencido esta batalha mas por ter visto finalmente aquele olhar no rosto da minha filha….acho que qualquer pai ou mãe percebe o que eu quero dizer.

http://paisemrede.pt/

      Querem saber como sei que ela escolheu o professor dela? 


A verónica esteve 3 anos no pré-escolar onde infelizmente no último ano houve alterações, tendo havido algumas substituições da educadora da sala, o que acabou por destabilizar não só ela como todos os meninos da turma dela. Numa altura em que pensávamos se ficaria ou não mais um ano no pré-escolar por ter 5 anos e não 6, ela resolveu procurar mais vezes o Professor na sala do lado do 1º ciclo e a afinidade com os miúdos era tão diferente das do pré-escolar mas não era propriamente uma novidade porque sempre se interessou por miúdos com uma faixa etária bastante superior à dela, muito em parte porque eles a conseguem estimular e os mais novos não. De visitas esporádicas começou então a ser uma rotina, talvez porque nessa altura seria o seu ponto de referência na escola, uma vez que tinha ficado sem a sua educadora e também sem a sua auxiliar preferida (vítima de um cancro), então a surpresa aconteceu quando foi oferecer flores ao professor…..algo que nunca tinha feito a ninguém, nem mesmo a mim que sou a mãe. Compreendi então que apesar de não conseguir comunicar verbalmente, ela claramente estava a usar tudo o que sabia ou conseguia para comunicar, cheguei mesmo a assistir a um abraço que ela foi dar de livre espontânea vontade ao professor e fiquei sem palavras, finalmente ela criava laços a sério com alguém que não os pais ou a irmã, era por isso uma fase muito especial nas nossas vidas! Um dia vou dedicar um texto ao professor dela…o Professor José que apesar de já não ser professor dela porque a escola acabou por fechar ao fim de 2 anos é e sempre será uma peça fundamental na vida da Verónica. Se por um lado encontramos pessoas com falta de sensibilidade e que em alguns casos até nos dificultam muita vida, também é verdade que há outras pessoas que encontramos na nossa caminhada que são híper especiais e o professor dela (será sempre para mim e para ela, ainda que não de forma oficial).

             De uma forma muito reduzida, os dois anos que se seguiram foram uma verdadeira montanha russa, onde houve momentos altos e baixos, mas nada teve a haver nem com o professor nem com os colegas, digamos que foi mais uma questão de agrupamento vs recursos humanos (muitos saberão aqui ao que me refiro). Durante o tempo que esteve nesta escola, vi uma Verónica mais virada para os seus pares e note-se que o método terapêutico escolhido por nós pais trabalhava mais a parte cognitiva e não a parte social, mas o trabalho feito na escola levou a que desenvolvesse aptidões sociais que é uma das principais condicionantes neste tipo de diagnóstico.

          Numa altura que vejo tantos pais a queixarem-se de que as coisa não correm nada bem ou pelo menos como tinham esperado na escola dos seus filhos é, com uma certa nostalgia que recordo este dois anos porque de facto mudaram e definiram o percurso escolar da minha miúda.
Após ter fechado a escola da Verónica, como qualquer outro pai fomos ver escolas dentro e fora do concelho para podermos tomar a decisão que nunca queríamos ter tomado mas acabamos por escolher uma que nos pareceu dentro dos possíveis ser o mais adequado até porque claramente nada era comparável ao que tinha tido antes, muito em parte porque agora já não há assim tantas escolas de “aldeia” e as poucas que há por norma não têm meninos especiais por causa de não terem uma unidade estruturada. Apesar de tudo muito planeado e até antecipado, levamos um Verão inteiro a “treinar” a Verónica para a grande mudança, inclusive com o apoio de terapeutas da colónia externa em que ela esteve, uma colónia muito especial para meninos especiais (voltarei aqui a falar pois já vi que muitos desconhecem a existência desta colónia). No entanto, as coisas não correram nada bem, vimos que tentou integrar-se na nova turma, tendo inclusive ido ao quadro de livre espontânea vontade para mostrar aquilo que sabia mas a escola acabava por a levar muitas vezes para a unidade, algo que não estava de todo habituada pois tinha estado em sala de aula nos anos anteriores. Nunca percebemos se ela teria ido ou não à casa de banho nos primeiros dois dias pois ninguém soube dizer (ela precisava de ajuda nessa área), sabendo nós que ela tem a capacidade física de aguentar um dia inteiro sem ir à casa de banho, foi quase a confirmação de que não teria mesmo ido, a questão é que ela tem um historial clínico com alterações nos rins. Depois viemos a saber pela escola que teve um ataque de pânico no refeitório, colocaram-na na fila de espera e foram embora, depois de tanto alertar claramente não conheciam a minha miúda e muito menos o perfil de autismo dela. Entre estas e outras situações, começamos a ver o comportamento dele a alterar-se de uma forma assustadora, tendo surgido ocasiões em que notamos que poderia de alguma forma estar a regredir e isso é perigoso no autismo. Foi então que marcamos consulta de urgência com o pedopsiquiatra e ficou de baixa durante uma semana até percebermos qual o melhor caminho para a Verónica. Posso vos dizer que no segundo dia de aulas dela na nova escola, acabei esse dia a telefonar a chorar par o professor dela, algo que já não me acontecia faz tempo….sou mais de lutar do que chorar, sobretudo no autismo dela…..até porque não resolve nada infelizmente mas faz parte, somos pais e humanos! Nunca decidi nada em desespero, o desespero é inimigo do bom senso e nisto do mundo do autismo deve se ter cuidado porque há muita exploração de “pais”, de repente há várias formas de se fazer dinheiro com o autismo e ter de separar o trigo do joio é difícil, sobretudo se estivermos em situação de desespero. Como já vem sendo habitual da minha parte, até porque sou uma pessoa bastante racional comecei a pesquisar alternativas à escola dela, acabo sempre por ir espreitar nos EUA ou no Canadá, a minha ideia é que lidam com isto há mais tempo do que nós e têm uma mente mais aberta, não quero dizer com isto que Portugal não lida bem com o Autismo, não há perfeição em país algum e nós até estamos bem posicionados, temos de ser honestos quanto a isto. Começou então a surgir a ideia do “homeschooling” (Ensino Doméstico).

      A ideia só por si era tentadora, mas também aterradora, na medida que assumiríamos a total responsabilidade pela escolarização dela, se a ideia assusta por vezes em miúdos sem patologias imaginem miúdos dentro do espectro. Não iria decidir isto sozinha, passei horas a falar com terapeutas, familiares próximos, amigos, pais em ensino doméstico e o pedopsiquiatra. Curiosamente, a pessoa que não falei sobre “homeschooling” foi o professor dela, não sei bem explicar porquê, não consegui na altura e até tinha medo de lhe contar, mas ver a Verónica a encolher-se e ter ataques de pânico a entrar no centro de saúde a pensar que era uma outra escola, foi o click que precisava para ir em frente. Creio que se o pedopsiquiatra me tivesse dito que era um erro da minha parte, nunca teria dado o “salto”, mas não só apoiou como disse que tinha tudo para correr bem, sobretudo porque tínhamos alternativas para ter interacção social com outras crianças. Num jantar que se deu nessa altura de uma associação muito especial da qual faço (da qual falarei aqui pois acho que poderá ser uma grande mais valia para crianças e famílias especiais), sabia que o professor estaria presente, então escrevi-lhe uma carta com o meu coração, achei que não havia outra forma de o fazer….posso vos dizer que foi a carta mais longa que escrevi em toda a minha vida mas foi também a mais verdadeira. No fundo, acho que se ele desaprovasse e podia o fazer, eu estava a retirar a minha filha da “escola” eu desmoronava-me ali mesmo. Lembram-se de eu ter dito que ele era e é híper especial, pois bem não só apoiou a decisão como tem acompanhado a Verónica desde que iniciámos o “homeschooling”.


           Dedicarei um texto exclusivo só para este tema, até porque já me pediram para fazer um texto a testemunhar como tem sido a nossa experiência e até para partilhar estratégias de ensino para autismo. Embora esta tenha sido de facto a nossa escolha para a Verónica, ela não foi decidida de ânimo leve e eu que estou responsável pelo ensino dela, tenho habilitações para o fazer e faço formações quer na área do autismo quer na área da educação e fazem toda a diferença. Aquilo que parecia ser quase uma “sentença” tornou-se um motivo para sorrir e ter esperança num futuro muito melhor pois a Verónica voltou a escrever nos cadernos coisas da escola (teve mais de um ano e nem médicos ou terapeutas conseguiram que ela voltasse a fazê-lo), mas eu consegui. Já imaginaram como eu poderia mostrar à escola que ela sabia as matérias do currículo escolar se não tivesse rigorosamente nada para mostrar? Pois é, obstáculo ultrapassado…teremos ainda outros a ultrapassar 
mas para a frente é que é caminho e nós estamos a ir em frente sem dúvida alguma. Exposto isto, não ache que o “homeschooling” deva ser a primeira opção, se calhar nem a segunda ou terceira e eu não sou contra a escola, simplesmente no caso da minha filha o sistema falhou com ela e tivemos de ser nós a resolver a situação escolar dela, felizmente estou a conseguir cumprir as metas curriculares ainda que de uma forma adaptada claro mas o currículo é igual a todos os outros miúdos. Uma criança sob stress ou que sofra de ansiedade não vai estar apta para ser ensinada na sua totalidade, no caso da Verónica além de não estar a aprender estava a regredir e isso não podíamos permitir. Tivemos muitos opositores desta estratégia, faz-me lembrar um pouco quando alguém diz que quer ser vegetariano, aparecem logo dezenas de entendidos em nutrição. Não é fácil por vezes estarmos a lutar e ver que para além de não nos ajudarem tentam fazer com que não sigamos o nosso caminho, só por este ser diferente, não se trata de um medicamento ou algo que vá afectar a sua saúde, quando muito poderia não funcionar e termos que desistir, mas não é de todo o nosso caso. Está a ser um sucesso tão grande que resolvi que quero ajudar outros miúdos como ela mas antes farei toda a formação que acho necessária para o efeito, estou mesmo “apaixonada” por esta descoberta de vocação….eu era bióloga.



Espero que seja útil estes textos, demorados e em forma de testamento, o tempo na minha casa não abona e o pouco que tenho livre dedico a fazer formação….essa sempre foi a minha estratégia: formação!


Até breve,

Eu.



                                 
                                                        By Verónica!

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

           


Crónicas de um Natal Colorido - parte 1


           Natal, aquela época do ano tão especial onde se celebra o nascimento de Jesus Cristo há mais de 1600 anos no dia 25 de Dezembro. Inicia-se então lá para finais de Novembro ou para os mais tradicionais na primeira semana de Dezembro os preparativos que começam nada mais nada menos com a montagem da árvore de Natal, regra geral um pinheiro natural ou artificial. Um outro símbolo de Natal não menos importante, especialmente para a criançada é o Pai Natal (Papai Noel), inspirado na figura de São Nicolau, um bispo do séc. III, e é responsável por trazer os presentes das crianças num trenó cheio de renas, segundo a tradição. Bem como todos as mamãs e papás neste mundo sabem, não se pode esperar que um velhote simpático de barbas farfalhudas e brancas deixa as nossas chaminés e traga então o desejado presente para cada criança em especial tendo ela Autismo. Nem acredito que acabei de escrever isto, mas não deixa de ser verdade, certo? Passo a explicar em seguida para os que foram apanhados de surpresa com a minha afirmação.
          Quando era mais nova, adorava esta época pois era bastante mais virada para a reunião familiar do que é nos dias de hoje, claro que também se recebia mais pijamas e meias do que agora, mas parece-me a mim que era mais “mágico”. Bom, mas os anos passam e quando finalmente formamos a nossa própria família corremos o risco de sermos nós os responsáveis por organizar os preparativos para a grande noite da Ceia e claro para o tradicional almoço de Natal a 25 de Dezembro, caso não passemos o Natal em casa de familiares. Como tive um acidente rodoviário num regresso a casa da festa de Natal em miúda, sempre tive não digo “fobia” mas sim receio de me deslocar para longe de casa nas últimas duas semanas do ano, basta ver a taxa de acidentes que ocorrem em média nessa época do ano para reforçar este meu sentimento. Assim sendo, ainda antes da Verónica entrar nas nossas vidas já o nosso Natal era passado no conforto do nosso lar e devo dizer que adoro.


              A dinâmica do Natal cá em casa começou a mudar a partir do segundo e terceiro Natal da Verónica, o primeiro Natal era muito bebé nem dava para perceber o que se passava mas no segundo começamos a franzir o sobrolho ao verificarmos que ficava praticamente imóvel e sem pestanejar para a árvore de Natal, mais concretamente para as luzes coloridas a “piscar”, claro que ao fim de alguns minutos o que poderia ser um interesse era como se estivesse hipnotizada ou pior que nem “estivesse” sequer ali. Apesar de se ter registado na memória esse momento, ele só seria recordado no ano seguinte exactamente pelo mesmo motivo com a agravante que agora se fazia o somatório de outras situações do género, claro que se estamos a ter consultas de Genética e as perguntas começam a não fazer sentido ou até demasiado sentido (Ex.: a sua filha aponta, diz quantas palavras etc etc)  ficamos bastante alarmados. Depois havia aquela parte da falta de interesse por brinquedos, em especial novos brinquedos, é como soar todos os alarmes possíveis e imaginários na nossa cabeça. Não tardaria a chegar então o dito diagnóstico e uma nova saga por fazer tudo ter sentido e sobretudo conseguir captar a tal “magia”, podem não acreditar mas precisamos todos dela, uns mais outros menos mas a vida sem ela é apenas isso vida mas as plantas também têm vida certo? Pois bem, eu resolvi captar essa Magia, se consegui? Não sei, digam vocês depois de lerem o que se segue, não estará propriamente por uma ordem cronológica pois não sei qual seria ao certo e porque vou escrevendo aqui conforme vou recordando algumas peripécias que me ocorrem, então cá vai.


        Primeiro tenho de vos explicar como é a relação da Verónica com o Natal para perceberem algumas coisas, mães e pais de miúdos dentro do espectro muito provavelmente vão identificar bastantes semelhanças, faz parte. Brincar foi algo que teve de ser ensinado, é estranho ter de ensinar uma criança de 3 ou 4 anos a brincar e ser necessário a ajuda extra de uma terapeuta, contudo foi exactamente o que aconteceu por aqui. Durante a terapia era lhe apresentado um boneco e acessórios para cuidar dele e por imitação era induzida uma espécie de “brincadeira funcional”, apenas imitava não fazia nada ao boneco por iniciativa própria quanto mais imaginar algo com o boneco. Era frustrante de observar parecia algo bastante artificial mas não havia outro caminho a seguir senão aquele, mais tarde haveríamos de colher esses frutos. Esta história não é uma história triste nem nós somos uma família triste, apenas tivemos um começo diferente da maioria, só isso. 

       Ao fim de algum tempo começamos a ver a Verónica a ir buscar bonecos (Nenucos da irmã) e basicamente despachava-os (dava banho, vestia, dava de comer e colocava-os no sítio), parecia uma autêntica linha de montagem, em vez de me desesperar sorri e disse para mim: “mas porque raio tem ela de brincar com bonecas? Há crianças que não gostam de bonecas, não há? Carrinhos, é isso vou comprar carrinhos! Sim pode vir a fixar-se nas rodas mas e se isso não acontecer?”. Escusado será dizer que comprei não só um mas dois carrinhos, um carro polícia e um dos bombeiros e tive uma surpresa! Primeiro, observou tudo, acho que se tivesse motor tinha desmontado para os ver melhor, depois começou a ver as rodas (estremeci ligeiramente) e então tirei-lhe o carro da mão e mostrei como ele conseguia andar um pequeno percurso sem termos de o empurrar. Repetiu várias vezes o que eu tinha mostrado, mas a forma como o fazia não parecia tão artificial pois escolhia qual o percurso ou a superfície por onde o carro passava, o interesse naturalmente foi-se desvanecendo mas de vez em quando ia dar com ela de volta dos dois carros e trazia-os com ela mesmo que nunca chegasse a fazer nada com ela (um pequeno grande triunfo-interesse por algo). Começou então a fase da procura por novos estímulos e a eterna procura pelo presente de Natal perfeito.



Vamos lá então começar a fazer a lista de prendas para a Verónica:

Uma lista possível para meninas na faixa etária dos 4 – 8 anos:

1.      Bonecas

2.      Conjuntos de loiças

3.      Legos

4.      Conjuntos de pintura

5.      Figuras de animação infantil

6.      Palácios e casas de bonecas

7.      Puzzles

8.      Jogos didáticos

9.      Instrumentos musicais ou afins

10.  Livros de histórias



Imaginemos agora que essa lista era para a Verónica J :

1.      Bonecas (apenas e só se for alguma princesa da Disney que seja a rebelde da história, como a Ariel (pequena Sereia) ou a Merida (Brave), o resto é completamente posto de parte);

2.      Conjuntos de loiças (para além de ter imensas herdadas da irmã apenas servem para irem para a banheira, imagine-se só para beber água morna do banho);


3.     Legos (um brinquedo muito versátil e colorido que permite estimular a criatividade, isto se estivermos dispostos a usar a imaginação, passava a vida a alinhar os legos por cores e tamanhos e atualmente não lhes liga);

4.      Conjuntos de pintura (a maior parte que se encontra à venda nos supermercados não tem uma qualidade boa mas tem imensas cores que eram descartadas porque a caneta preta de ponta fina da mãe era a única selecionada para desenhar, portanto nada de cor);


5.      Figuras de animação infantil (regra geral as crianças adoram animação e têm personagens preferidos, não havia interesse por nada que fosse animação na televisão mas lentamente simpatizou com o Mickey e veio então finalmente o interesse quase obsessivo pelos My little poney, o que foi uma enorme festa cá em casa)

6.      Palácios e casas de bonecas (o único interesse era fazer demolições até não restar a mínima hipótese de erguer fosse o que fosse mas isto era bom, tudo era melhor que o desinteresse total);


7.      Puzzles (foi a salvação cá de casa durante uns tempos, fazia puzzles com mais peças do que eram indicadas para a faixa etária dela mas a partir do momento em que completava um puzzle era uma despedida “fúnebre” do puzzle, para quê voltar a fazer o mesmo puzzle? Ao fim de algum tempo perdeu o interesse total);

8.      Jogos didáticos ( um mal necessário das terapias é usar-se jogos didáticos para se trabalhar com os miúdos mas leva a rejeitar muitas vezes jogos desse tipo para lazer, a Verónica não foi excepção);


9.      Instrumentos musicais ou afins (embora a tenha apanhado a cantar Bon Jovi (It’s my life) algumas vezes ou a música dos My little poney nunca mostrou interesse nos instrumentos musicais, a não ser claro para os desmontar para ver como são feitos);

10.  Livros de histórias (não gosta que se leia uma história para ela, lê partes que lhe despertem a curiosidade mas não do princípio ao fim, livros com extras (texturas diferentes, imagens em 3d, etc eram destruídos também para perceber como eram feitos).






Finda a lista e tendo em conta que existe uma variedade de tudo o que foi sugerido para lista de prendas cá em casa, venham daí comigo às compras.

         Quando entro numa grande superfície comercial em plena época natalícia, encaro como se estivesse num verdadeiro campo de batalha do tempo do Rei Arthur, talvez esteja a ser demasiado dramática mas já lá chegaremos. Está fora de questão de trazer crianças nesta altura, quem trata do marketing destas superfícies sabe explorar e bem as “criancinhas”, tudo salta à vista de tal forma que dou comigo a ver crianças “grandes” a brincar e a carregar em tudo o que é botões dos bonecos e peluches que se encontram nas imensas prateleiras destinadas ao consumo. E então penso: “Como é possível um brinquedo fazer tanto sucesso com um adulto e não com a minha miúda? Ah….volta lá ao campo de batalha do rei Arthur.” Quando olho para os peluches macios parece que a criança que há em mim diz para os levar para a Verónica mas soa claramente a desculpa e depois seria frustrante o resultado final. Na secção das loiças, cozinhas de brincar, passo quase a correr e até questiono se será mesmo falta de interesse dela os se são brinquedos “estúpidos” a incitar a função da mulher na sociedade…..bem a maioria nem deve pensar nisso e já vi miúdos encantados com vassouras e esfregonas. 
          A secção das bonecas, barbies ginastas, barbies bailarinas, barbies veterinárias, barbies etc, a boneca é tão versátil e não consegue sequer ser atractiva para a minha miúda, pego geralmente numa ou outra e acho que afinal a Verónica é capaz de ser uma criança super sensata. O que estou eu a fazer? Birra com os brinquedos? Ou estarei a ter também um comportamento autista? Se pensar bem começo a ouvir aquela conversa ao fundo a reclamar que este Natal vai ter x de prendas para aquele filho e que se pudesse comprava mais x e talvez o faça porque dia não são dias…..sortuda consegue ter ideias para presentes e eu nem consigo ter ideia para um. Enquanto ando perdida nos meus pensamentos, alguém me dá um empurrão com medo que eu leve uma daquelas barbies, mas o que se passa com as pessoas nesta época? Dezenas de barbies iguais àquela e é justamente aquela que está mais perto da minha pessoa que é relevante, no início tenho vontade de refilar depois descubro que apenas passou uns 5 ou 10 minutos desde que entrei no supermercado e já estou extremamente cansada e claro com o carrinho completamente vazio!!!! E já agora porque trago um carro e não um cesto? Bem, a esperança é a última a morrer e o Natal é daqui a meia dúzia de dias penso e de repente prefiro ir fazer as compras para a Ceia de Natal, rapidamente mudo de ideias quando penso nas

restrições alimentares que ela faz por causa da cor, textura, formato e aroma. Avanço para outro corredor, o dos jogos didáticos e fico como que deprimida, parece um corredor onde as terapeutas dela se abastecem, sinto imediatamente que ela vai ter ódio de mim quando abrir as prendas. Abrir??? Que piada, ela não abre nem rasga o papel, quando muito centra-se no laço colorido do embrulho, bem pelo menos este ano vou colocar muitos laços coloridos nos embrulhos penso e animo um pouco. Volto à secção onde estão as tais barbies, tal como suspeitava continuam lá imensas barbies…ah e tal cliente “efusiva” de barbies também, talvez deva fugir daqui….não estás a ser infantil ou pior anti social, não admira que considerem o autismo algo genético. Encho o peito de ar e respiro fundo, quando de repente vejo várias princesas da Disney!!!! Bem está ali a Ariel, a Branca de Neve, a Bella e a Cinderella. A Cinderella é demasiado bem comportada e ela parece detestar, está excluída, a Ariel vai claro, talvez leve a Branca de Neve sempre enche a árvore de Natal mais um pouco. Encher? Outra piada, estamos inspiradas. Começa a surgir uma ligeira dor de cabeça que desconfio ser falta de café, mas continuo na minha missão e acabo por escolher puzzles com figuras Disney e alguns livros quase ao acaso para ver se há algum que lhe desperte e pronto penso, vamos lá tratar dos outros presentes para a irmã, felizmente gosta de tudo aquilo que escolho e nos últimos dias já está tudo mais que comprado.


              Quando finalmente chego à caixa registadora, a operadora com um grande sorriso: “Já vi que tem uma grande fã da Disney em casa!”, devo ter feito uma cara estranha porque a rapariga diz logo: “Oh desculpe assumi que era para uma filha sua, pelos vistos erradamente”. Definitivamente hoje não é um bom dia para sair de casa penso mas acabo por dizer: “É sim para a minha filha, vamos ver como corre.”, resposta dela: “ Oh vai adorar de certeza, nem vai querer deitar-se para poder brincar, vai ver!”, estava tão longe da realidade mas é esse o esperado e eu sou apenas mais um cliente a levar princesas da Disney, parece algo tão “norma”. Depois de colocar o multibanco e de aparecer o valor, começo a questionar o valor da compra, provavelmente vou deitar dinheiro fora, dinheiro esse que dá para amortizar em alguma das terapias, o que estou a fazer? A viver obviamente em função do problema “autismo”, mas estou errada devia estar a viver o Natal e então oiço outra cliente a assoprar porque estou algo demorada e estou mesmo, olho para a operadora e pergunto: “Ainda vou a tempo de juntar essa caixa de ovos kinder à minha conta?”. E é assim que me animo, deixei a outra cliente assoprar mais um bocadinho propositadamente, é que era a mesma que tinha me empurrado por causa de uma barbie que eu nunca quis levar, estava a ter uma atitude super infantil mas para mim sabia a esperança, a “magia” estava a começar a sobrepor-se ao pensamento super racional (um grande defeito meu).
         
          Este Natal foi quando ela tinha 4 anos, acabou por ligar aos puzzles e à Ariel apenas embora não brincasse com ela propriamente andava com ela, tal como os carrinhos. A maior surpresa estaria no Natal seguinte, cheio de Ponéis e outras coisas que escreverei durante este fim de semana, escusado será dizer que o meu humor também ficou bastante mais apurado e, por agora embora seja um quebra cabeças fazer compras de Natal para a Verónica tornou-se sobretudo uma aventura mais tipo Indiana Jones do que o Rei Arthur.


(continua)