terça-feira, 30 de junho de 2015

Algo inevitavelmente familiar



       Hoje foi um dia particularmente estranho mas ao mesmo tempo foi algo tão familiar que não consegui evitar partilhar no blogue. Preparava a Verónica para mais uma sessão terapêutica, desta vez natação adaptada, quando fui abordada por uma mãe com um menino de três anos, queria saber se a minha filha fazia aquela actividade terapêutica há muito tempo. Quando olhei melhor para o seu rosto percebi logo, estava perante uma mãe que recebera o diagnóstico de autismo recentemente ou então estaria ainda em avaliação de diagnóstico. Respirei fundo, reconheci aquele momento daquela mãe como sendo tão familiar, é incrível como podemos ficar tão expostas enquanto mães destes meninos especiais. Assim, deixei a conversa ir fluindo pois cada pai e mãe tem o seu próprio tempo para assimilar, assim como necessita de tempo para se conformar e fazer a próxima pergunta, inevitavelmente com receio da resposta da outra mãe já com alguma experiência no caso.
      Uma coisa que aprendi nestes últimos anos é que existe uma partilha de experiências muito grande entre pais de autistas quando esses momentos se proporcionam de alguma forma, ainda que seja num balneário de umas piscinas ou simplesmente à porta de uma escola, não interessa o local nem de que pais se tratam apenas importa a partilha. A Verónica é a minha segunda filha e nunca tive necessidade nem vontade de partilhar fosse o que fosse com a minha filha mais velha, agora toda essa perspectiva deixou de fazer sentido.
        Falei depois durante meia hora com essa mãe, perdi quase a aula toda de natação da minha filha com muita pena minha mas sabia perfeitamente que aquela mãe precisava de se animar, parecia à beira das tais lágrimas iminentes tão comuns em nós mães de miúdos especiais. Naturalmente que agora os nossos caminhos irão cruzar-se mais vezes assim como os nossos filhos e, fico feliz por ter tido aquela conversa pois eu precisei dela quando passei pelo mesmo mas não a tive. Teria feito diferença saber por outra mãe aquilo que transmiti hoje? Talvez sim talvez não mas uma coisa é certa teria me sentido muito melhor pois saberia que não estava sozinha nisto do Autismo. 
        Quando digo que o autismo da Verónica fez de mim uma pessoa melhor estou a ser sincera, pois momentos como o de hoje não aconteceriam assim, não desta forma.

Joana Fernandes

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Começar novamente do zero



        Quando se tem uma criança com necessidades especiais sabe-se à partida que todo o caminho a percorrer será extremamente incerto e até imprevisível mas uma coisa todas as famílias destas crianças têm a certeza absoluta de que toda a dinâmica familiar será implicada nas decisões a tomar-se de futuro. Embora isso já não seja novidade para nós cá em casa e até tenhamos nos adaptado bastante bem a esta realidade, melhor até que muitas dessas famílias para ser sincera, não estávamos no entanto preparados para “encalharmos” quando tudo parecia estar a correr tão bem do ponto de vista terapêutico com a Verónica.
       Quase que de um momento para o outro o método das terapias que tínhamos escolhido e que tanto sucesso tinham trazido às nossas vidas deixou de fazer sentido ao fim de quase quatro anos. Quando demos por nós lá estávamos nós a argumentar o porquê de não querermos a medicação para “ajudar” no processo, entre lágrimas, cansaço, frustração e até desespero tivemos que “romper” literalmente com tudo o que tínhamos feito até ao momento, o que como devem imaginar foi muito difícil para todos. Sempre soubemos que as terapias podiam ou não funcionar com a Verónica, tudo dependeria das especificidades do seu Autismo e claro do seu perfil enquanto criança mas acreditem jamais esperei ouvir a Verónica dizer isto à terapeuta da fala: “You're dead to me!”.  A partir desse momento ou alinhávamos na medicação e continuávamos com esse modelo terapêutico ou teríamos de adoptar outra alternativa que embora exista não há assim tanta variedade em Portugal na minha opinião. O problema de se optar por uma alternativa é que temos que “romper” com terapeutas, com o método escolhido por nós pais e claro quase sempre “romper” com o médico que quando escolhemos foi a pensar ser o melhor para a nossa filha. Assim, resolvi marcar uma consulta com um Pedopsiquiatra muito conhecido na área do autismo (o qual eu já tivera uma formação sobre autismo no passado) e, se ia tomar uma decisão tão drástica teria de ter como que a “bênção” da pediatra da minhas filhas, a qual eu tenho plena confiança, até mesmo em questões relacionadas com o autismo.    
       A consulta com o Dr. Pedro Caldeira para minha surpresa demorou uma hora, onde mais de metade da consulta ele esteve literalmente no chão com a Verónica a avaliar o comportamento dela, criou-se uma empatia tão grande entre eles os dois que surgiu em mim naquele instante esperança de que dias melhores iriam surgir sem sombra de dúvida. A pediatra ficou como que aliviada pois disse-me: “Se fosse a minha filha eu teria feito exactamente o que a Joana fez!”, tenho a sorte de a pediatra conhecer tanto o método como os dois médicos em questão, acaba sempre por se ter conhecimento de causa quando assim é. Da minha parte foi-me imensamente difícil “desapegar-me” de uma das terapeutas da minha filha pois era até então o meu porto de abrigo desde o diagnóstico, teve um papel muito mais importante que a maior parte dos nossos familiares para verem a dimensão da situação mas de facto ela disse que o que nós pais estávamos a fazer era neste momento o mais correcto a fazer.
       Neste momento a Verónica continua sem fazer qualquer tipo de medicação pois desta vez ficou fora de questão o défice de atenção, logo está fora de questão pensar em medicação. As terapias que tem agora envolvem mais o físico, entres as quais a natação adaptada e o karate adaptado e tem sido surpreendente a empatia que criou com as duas novas terapeutas, para além das alterações bastante positivas no que toca ao seu comportamento. Talvez o primeiro ano escolar não tenha sido um sucesso quando comparado com outras crianças mas, ao que parece estamos a “entrar” numa época boa para se colher novos frutos e cá para mim vamos ter imensas novidades no início do próximo ano lectivo. Vivemos todos cá em casa agora num momento de harmonia porque a verdade é que funcionamos todos como um só e se um está mal cá em casa, todos os outros também estão.




       Quando penso nesta minha viagem pelo mundo do Autismo penso que no fim quem vai vencer todas estas batalhas vai ser o amor, o amor que existe na nossa família pois é esse amor que tem movido montanhas pela Verónica.

Não tenham nunca medo da mudança, tenham sim medo de não terem a coragem para avançar.

Joana Fernandes