Nem tudo no
Autismo representa “espinhos”, existem momentos tão especiais e alguns tão
divertidos que é realmente uma pena que não se fale mais desse lado colorido
que acreditem tem imensas cores. Assim resolvi criar como que uma rúbrica aqui
no blogue para mostrar esse lado colorido que muitas vezes torna tudo tão mais
simples e harmonioso.
Regras de
etiqueta é algo bastante “abstracto” para quem pertence ao espectro do Autismo,
simplesmente não conseguem compreender o seu significado, tendo por isso
comportamentos desadequados do ponto de vista da sociedade em geral mas será
que são eles que estão errados? Ou será a sociedade que impõe certos códigos de
conduta? Aqui ficam registados alguns momentos com a minha Verónica e sabem que
mais, vão ver que alguns desses episódios já ocorreram em crianças que não
pertencem ao espectro porque não há como a inocência das crianças que tornam
tudo tão mais colorido mesmo em tempos mais cinzentos.
Um dos
comportamentos associados ao autismo são os “alinhamentos” de objectos, seja em
linha recta, seja por cores, por tamanhos, isso realmente não interessa, o que
interessa para muitos destes miúdos é alinhar alguma coisa. A Verónica sempre
adorou “alinhar” lápis de cor e molas da roupa por cores, seguindo a ordem das
cores do Arco Íris, o que era algo intrigante para nós porque nunca tinha um
Arco íris à vista para saber qual a ordem das cores mas de facto ela conseguia.
Embora houvesse alturas que pensava duas vezes em ir às compras com a Verónica,
sempre insisti para que ela me acompanha-se nesses momentos e assim começou a
saga de “alinhar” objectos nas lojas e supermercados, imaginem quererem avançar
para outro corredor mas a vossa filha estar a alinhar as embalagens de rolos de
papel higiénico há mais de dez minutos e naturalmente vir um indivíduo e
retirar uma dessas embalagens, pois está claro houve uma daquelas típicas “birras”
numa linguagem ainda pouco clara e de repente sei saber como ou porquê esse
mesmo indivíduo devolve à prateleira a embalagem para que ela possa de novo
alinhar tudo. São esses momentos que tanto nos levam por vezes quase à loucura
mas que de alguma forma desenvolvemos algum tipo diferente de afecto, em
especial por aqueles que têm atitudes humanas porque simplesmente não suportam
ver uma criança em sofrimento, ainda que nem sequer percebam o que realmente
era aquela “birra”.
Um outro dia
tinha a minha princesa internada nas urgências do hospital em consequência de
uma gastroenterite bastante complicada em que estava bastante sossegada a jogar
no seu Ipad quando uma família de etnia cigana entrou no quarto de
internamento, comecei a imaginar o tipo de stress que isso lhe ia provocar
(demasiadas pessoas e barulho) mas para meu espanto até correu bem e senti um
enorme alívio. Como seria de esperar fizeram imenso barulho, desobedeceram às
enfermeiras de serviço e mantiveram-se todos lá embora apenas pudesse haver um
acompanhante, foi o cúmulo quando um desses indivíduos resolveu implicar com o
barulho do Ipad da Verónica pois podia acordar o seu filho que estava
completamente ferrado a dormir e não tinha acordado com a gritaria dos seus
imensos familiares (naturalmente estaria mais que habituado), foi então que
cansadíssima por não dormir há quase dois dias disse-lhe educadamente que ela
tinha Autismo e que não ia conseguir que ela parasse ou baixasse o som (estava
bastante baixo por sinal), ficou desconfiado e nada convencido. Passado uns
instantes esse indivíduo virou-se e disse: “se lhe disser para ela parar ou
baixar o som ela não consegue compreender por causa disso que têm é isso mesmo?
“, estava tão cansada e aborrecida com tamanho atrevimento que virei-me com a
maior naturalidade possível (esboçando um pequeno sorriso): “Não ela
infelizmente não consegue entender por muito que lhe diga para o fazer.” Quando
finalmente parecia tudo mais calmo, a minha miúda resolveu fazer um grande
sorriso e aumentar o som do IPad mesmo em tom de desafio, foi um misto de
emoções não sabia se havia de rir ou se devia recear algum tipo de represália,
felizmente entrou a enfermeira com a alta e safámo-nos de boa. Por vezes é
cansativo por mais que se tente explicar nem sempre as pessoas estão receptivas
para estes comportamentos, foi a única vez que deixei que pensassem que de
facto a Verónica podia não ter um nível de compreensão, no entanto ela percebeu
a implicância e resolveu mostrar por ela própria que não só entendia como podia
por o som mais alto em jeito de provocação.
Ir a sapatarias é
um verdadeiro desafio (agora já estamos bastante melhores), aquela maneira de
colocar os pares de sapatos cruzados em vez de estarem lado a lado perturbava
completamente a Verónica e desconcertava-me por completo bem como às lojistas,
acabava por ter de explicar sempre até que optei por ir sempre à mesma
sapataria, uma vez contada a história não havia mais perguntas ou olhares (pode
ser bastante cansativo). Assim, um dia de Verão precisava com alguma urgência
de umas sandálias para a Verónica e lá entrámos nós nessa sapataria, os olhos
dela brilharam e a obsessão por "descruzar" várias dezenas de sapatos começou, ora os "descruzava" ora eu os cruzava, começaram então os olhares reprovadores e a
famosa “birra”. Consegui finalmente acalmar-te um pouco, foi então que chegou o momento de
experimentares um par de sandálias mas como se calça um par de sapatos novos na
Verónica??? Fomos três para te segurar o suficiente para conseguirmos encaixar
uma única sandália, algo que deve ter demorado uns bons cinco minutos, e quando
finalmente conseguimos sair da loja com o novo par de sandálias, olhei para
trás e vi uma prateleira inteira com os sapatos todos alinhados por ti e então
sorri. Porque são estes momentos que partilho com ela que mais me ficam na
memória, que me fazem sorrir e sentir um enorme afecto pela Verónica que é
inexplicável, para que é que existe tantas regras e códigos de conduta afinal?