domingo, 3 de maio de 2015

O lado colorido do Autismo I




Nem tudo no Autismo representa “espinhos”, existem momentos tão especiais e alguns tão divertidos que é realmente uma pena que não se fale mais desse lado colorido que acreditem tem imensas cores. Assim resolvi criar como que uma rúbrica aqui no blogue para mostrar esse lado colorido que muitas vezes torna tudo tão mais simples e harmonioso.
Regras de etiqueta é algo bastante “abstracto” para quem pertence ao espectro do Autismo, simplesmente não conseguem compreender o seu significado, tendo por isso comportamentos desadequados do ponto de vista da sociedade em geral mas será que são eles que estão errados? Ou será a sociedade que impõe certos códigos de conduta? Aqui ficam registados alguns momentos com a minha Verónica e sabem que mais, vão ver que alguns desses episódios já ocorreram em crianças que não pertencem ao espectro porque não há como a inocência das crianças que tornam tudo tão mais colorido mesmo em tempos mais cinzentos.
Um dos comportamentos associados ao autismo são os “alinhamentos” de objectos, seja em linha recta, seja por cores, por tamanhos, isso realmente não interessa, o que interessa para muitos destes miúdos é alinhar alguma coisa. A Verónica sempre adorou “alinhar” lápis de cor e molas da roupa por cores, seguindo a ordem das cores do Arco Íris, o que era algo intrigante para nós porque nunca tinha um Arco íris à vista para saber qual a ordem das cores mas de facto ela conseguia. Embora houvesse alturas que pensava duas vezes em ir às compras com a Verónica, sempre insisti para que ela me acompanha-se nesses momentos e assim começou a saga de “alinhar” objectos nas lojas e supermercados, imaginem quererem avançar para outro corredor mas a vossa filha estar a alinhar as embalagens de rolos de papel higiénico há mais de dez minutos e naturalmente vir um indivíduo e retirar uma dessas embalagens, pois está claro houve uma daquelas típicas “birras” numa linguagem ainda pouco clara e de repente sei saber como ou porquê esse mesmo indivíduo devolve à prateleira a embalagem para que ela possa de novo alinhar tudo. São esses momentos que tanto nos levam por vezes quase à loucura mas que de alguma forma desenvolvemos algum tipo diferente de afecto, em especial por aqueles que têm atitudes humanas porque simplesmente não suportam ver uma criança em sofrimento, ainda que nem sequer percebam o que realmente era aquela “birra”.
Um outro dia tinha a minha princesa internada nas urgências do hospital em consequência de uma gastroenterite bastante complicada em que estava bastante sossegada a jogar no seu Ipad quando uma família de etnia cigana entrou no quarto de internamento, comecei a imaginar o tipo de stress que isso lhe ia provocar (demasiadas pessoas e barulho) mas para meu espanto até correu bem e senti um enorme alívio. Como seria de esperar fizeram imenso barulho, desobedeceram às enfermeiras de serviço e mantiveram-se todos lá embora apenas pudesse haver um acompanhante, foi o cúmulo quando um desses indivíduos resolveu implicar com o barulho do Ipad da Verónica pois podia acordar o seu filho que estava completamente ferrado a dormir e não tinha acordado com a gritaria dos seus imensos familiares (naturalmente estaria mais que habituado), foi então que cansadíssima por não dormir há quase dois dias disse-lhe educadamente que ela tinha Autismo e que não ia conseguir que ela parasse ou baixasse o som (estava bastante baixo por sinal), ficou desconfiado e nada convencido. Passado uns instantes esse indivíduo virou-se e disse: “se lhe disser para ela parar ou baixar o som ela não consegue compreender por causa disso que têm é isso mesmo? “, estava tão cansada e aborrecida com tamanho atrevimento que virei-me com a maior naturalidade possível (esboçando um pequeno sorriso): “Não ela infelizmente não consegue entender por muito que lhe diga para o fazer.” Quando finalmente parecia tudo mais calmo, a minha miúda resolveu fazer um grande sorriso e aumentar o som do IPad mesmo em tom de desafio, foi um misto de emoções não sabia se havia de rir ou se devia recear algum tipo de represália, felizmente entrou a enfermeira com a alta e safámo-nos de boa. Por vezes é cansativo por mais que se tente explicar nem sempre as pessoas estão receptivas para estes comportamentos, foi a única vez que deixei que pensassem que de facto a Verónica podia não ter um nível de compreensão, no entanto ela percebeu a implicância e resolveu mostrar por ela própria que não só entendia como podia por o som mais alto em jeito de provocação.
Ir a sapatarias é um verdadeiro desafio (agora já estamos bastante melhores), aquela maneira de colocar os pares de sapatos cruzados em vez de estarem lado a lado perturbava completamente a Verónica e desconcertava-me por completo bem como às lojistas, acabava por ter de explicar sempre até que optei por ir sempre à mesma sapataria, uma vez contada a história não havia mais perguntas ou olhares (pode ser bastante cansativo). Assim, um dia de Verão precisava com alguma urgência de umas sandálias para a Verónica e lá entrámos nós nessa sapataria, os olhos dela brilharam e a obsessão por "descruzar" várias dezenas de sapatos começou, ora os "descruzava" ora eu os cruzava, começaram então os olhares reprovadores e a famosa “birra”. Consegui finalmente acalmar-te um pouco, foi então que chegou o momento de experimentares um par de sandálias mas como se calça um par de sapatos novos na Verónica??? Fomos três para te segurar o suficiente para conseguirmos encaixar uma única sandália, algo que deve ter demorado uns bons cinco minutos, e quando finalmente conseguimos sair da loja com o novo par de sandálias, olhei para trás e vi uma prateleira inteira com os sapatos todos alinhados por ti e então sorri. Porque são estes momentos que partilho com ela que mais me ficam na memória, que me fazem sorrir e sentir um enorme afecto pela Verónica que é inexplicável, para que é que existe tantas regras e códigos de conduta afinal?


Um dia especial para mães especiais



Ninguém tem dúvidas que crianças com necessidades especiais necessitam efectivamente de mães também elas especiais, o que para mim me parecia a coisa mais natural do mundo veio a verificar-se ser sobretudo um requisito essencial para enfrentar tudo o que o Autismo da minha filha envolvia. Como mães de crianças especiais somo muitas vezes consideradas super mães ou “emocionalmente instáveis”, parece um contra-senso mas de um modo geral é essa a ideia que têm de nós. O que faz então de nós super mães? Sempre que se referem a mim nestes termos não consigo evitar sorrir, não temos nenhum dom apenas tivemos de adaptar-nos a uma nova realidade que ainda não está bem definida pela nossa sociedade e que até para nós mães especiais existe ainda muito para aprender. Assim, somos “super” quando entramos escola adentro e não hesitamos sequer em ir falar com a direcção da escola dos nossos filhos mesmo quando esse assunto pode ser resolvido no dia seguinte, mas no dia seguinte significa mais um dia igual ao anterior; não temos qualquer problema em enfrentar médicos e dizer ou fazer aquilo que para nós representa ser o melhor para os nossos filhos; não temos qualquer problema em enfrentar os olhares “reprovadores” quando as nossas crianças fazem “cenas” num sítio público e muita vezes são confundidas com miúdos “mimados”; não temos qualquer problema em abdicar seja do que for para melhorar a qualidade dos nossos filhos, nem que para isso tenhamos de abandonar ou adiar a nossa carreira profissional para fazer face às necessidades dos nossos filhos; temos muitas vezes de fazer o papel de vários familiares que em situações normais não se afastam mas que é muito comum neste tipo de diagnósticos; temos de ter quase sempre um sorriso nos lábios e fazer de tudo para que os nossos filhos tenham a serenidade e estabilidade que tanto necessitam, entre outras coisas. Então o que faz de nós “emocionalmente instáveis”? Se é ou conhece uma mãe que tem uma criança especial, de certeza que já viu estampado no rosto dessa mãe o sorriso maior do mundo quando surge uma frase na boca do seu filho, como que festejando algum tipo de evento especial certo? Decerto é mesmo um evento super especial pois quase de certeza foram centenas de horas de terapia da fala, muito dinheiro investido, muito tempo despendido e sobretudo alvo de muitas expectativas por parte dos pais e, o que seria natural noutra criança qualquer não o é para estas mães. Quantas vezes as lágrimas e o desespero estão presentes ao longo deste percurso? Quando alguém põe em causa o método de intervenção por nós escolhido; quando nos dizem que  mimamos demasiado a criança e que isso trará consequências no futuro; que devíamos ter mais tempo para nós e não viver tanto o Autismo dos nossos filhos (também gostávamos que assim fosse mas temos de travar batalhas para que os nossos filhos possam ter uma vida o mais normal possível); que os nossos filhos não podem ou não devem experimentar coisas “normais” porque não têm a mesma capacidade (se não lhe dermos sequer oportunidades como vamos saber do que são ou não capazes).
A pergunta que se coloca é se seremos assim tão diferentes das outras mães? Penso que não seremos assim tão diferentes, apenas vivemos uma outra realidade que faz com que sejamos mais pro activas pois temos de antecipar situações que inevitavelmente as nossas crianças vão ter de enfrentar e não estão de todos preparadas para tal pois nem a sociedade está devidamente preparada para estas crianças. Portanto, enquanto mãe de uma destas crianças especiais tenho como principal missão criar as condições para que exista o menor número de obstáculos possíveis ao longo da sua vida. Agora imaginem ultrapassar todos esses obstáculos sabendo que poderá nunca haver linguagem e comunicação suficiente para que eles se possam integrar realmente, ou que necessitem de expressar as suas emoções em locais públicos de forma menos apropriada ou ainda que não consigam ser suficientemente autónomos, são estas a nossas batalhas pessoais fazer com que a sociedade aceite os nossos filhos como eles são! Talvez isso nos faça parecer Super Mães e “emocionalmente instáveis”, do meu ponto de vista faz de nós apenas mães, eu da minha parte transformei o Autismo da minha filha numa qualidade e não num defeito. E como hoje é o Dia da Mãe desejo a todas as mães um feliz dia junto dos seus filhos porque esses sim são os especiais deste dia.